Estudo sobre o financiamento público das touradas em Portugal

Cerca de 19 milhões de euros dos contribuintes são gastos anualmente com a tauromaquia em Portugal.

As touradas estão, desde a década de 90, ligadas à máquina dos fundos públicos.

Só da PAC, os criadores de touros recebem mais de 15 milhões de euros anuais.

Última atualização: Abril de 2023

subsídios para as touradas

“Neste momento, e mesmo para uma primeira figura, é difícil viver só dos toiros… E quem disser o contrário, digo-lhe já que não é verdade!”

Luís Rouxinol, Naturales 27/11/2012

A Plataforma Basta de Touradas realizou uma vasta investigação, através da consulta exaustiva das atas das reuniões de Câmara e dos orçamentos dos municípios com atividade taurina, contratos e ajustes diretos estabelecidos com associações e empresas tauromáquicas, informação sobre os fundos comunitários disponibilizados às ganadarias de touros de lide, criadores de cavalos de toureio, dados estatísticos e informação difundida na imprensa nacional, regional e local.

Este extenso trabalho resultou numa estimativa que indicava o gasto de cerca de 16 milhões de euros anuais para apoiar a manutenção da atividade tauromáquica em Portugal. Em abril de 2023 foi efetuada uma atualização destes valores, verificando-se um aumento do investimento das autarquias e acrescentando os apoios concedidos pelo Governo Regional dos Açores. Atualmente os apoios públicos à tauromaquia totalizam cerca de 19 milhões de euros.

A tauromaquia, além de ser responsável pelo maltrato, sofrimento e morte de milhares de animais todos os anos em Portugal, é uma atividade insustentável do ponto de vista financeiro, que só sobrevive graças aos subsídios e diversos apoios públicos disponibilizados pelo Estado e autarquias locais.

Longe do seu apogeu, que no nosso país se prolongou até inícios da década de 90, as touradas cativam cada vez menos público em Portugal e Espanha e a tendência mundial indica claramente o progressivo desaparecimento destas práticas.

Em Espanha as estatísticas indicam que o número de festejos e espetadores tem vindo a conhecer uma redução muito significativa nas últimas décadas. Entre 2007 e 2011 o numero de festejos taurinos diminuiu 37%1. Além disso, também a popularidade das touradas tem decrescido, já que apenas 8,5% dos espanhóis assistiram, pelo menos uma vez, a um festejo tauromáquico. Em Portugal, desde 2009 que o número de espetadores e de espetáculos realizados, tem vindo a diminuir. Entre 2001 e 2011 o número de touradas diminuiu 30,1% e os dados do INE indicam que a média de público também tem vindo a cair.

Um número crescente e maioritário de cidadãos portugueses, não aprova a realização de touradas no século XXI, pela violência associada ao espetáculo e acima de tudo pelo maltrato e sofrimento injustificado de milhares de animais, pelo que não é justo que estes cidadãos tenham que contribuir financeiramente para um espetáculo que está longe de ser consensual na sociedade.

Praça de touros de Vila Fernando
Praça de touros de Vila Fernando (Elvas)
Fim do financiamento público das touradas
Movimento pelo Fim dos dinheiros públicos para as touradas
  • 580 € Pagou em 2009 cada família de Vila Fernando (Elvas) por uma praça de touros onde não há registo da realização de espetáculos tauromáquicos licenciados. A localidade tem 316 habitantes, a praça tem capacidade para 600 espetadores e custou 65.000€
  • 133 € Pagou em 2011 cada família de Abiul (Pombal) pelas obras de manutenção da praça de touros local (60€ por habitante).
  • 421 € Pagou em 2009 cada família de Vera Cruz (Portel) – por uma praça de touros onde nunca se realizou nenhuma tourada (163€ por habitante).
  • 2.000.000€ Foram gastos na praça de touros de Estremoz que recebeu, em média, 2 touradas por ano na última década.
  • 250.000€ Disponibilizou a Câmara de Angra do Heroísmo (Açores) para a organização de eventos taurinos nas festas Sanjoaninas em 2013, onde se incluiu uma largada de gado bravo para crianças.


    Fontes: Base.gov.pt e Censos 2011.

Este facto já deu origem a diversas petições, campanhas e iniciativas parlamentares, exigindo o fim do financiamento público das touradas, sem que o poder político tenha coragem de fechar a torneira dos fundos públicos para esta atividade.

Sem o recurso aos dinheiros públicos atribuídos, principalmente pelas autarquias locais, não seria possível perpetuar a realização de touradas de praça em Portugal. Em Portugal existem menos de 60 praças de touros ativas que em média recebem 3 espetáculos por ano. Sem o recurso aos apoios públicos é impossível garantir a manutenção destes recintos que na esmagadora maioria dos casos só acolhem corridas de touros.

Os apoios das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia

O apoio das autarquias traduz-se na compra de bilhetes, apoio a excursões, redução de taxas e licenças, publicidade, oferta de prémios, aluguer de touros, manutenção e reabilitação das praças de touros, organização de touradas e festejos taurinos populares, subsídios a tertúlias, clubes taurinos grupos de forcados e a escolas de toureio bem como na organização de palestras e colóquios relacionados com as touradas.

As Câmaras desempenham um papel fundamental na angariação de público para as touradas, gastando milhares de euros na compra de bilhetes que depois oferecem aos aficionados e apoiando a realização de excursões para assistir a touradas em vários pontos do país.

O apoio disponibilizado pelas autarquias é reconhecido pela indústria taurina como fator importante na manutenção da atividade: “a falta de apoios camarários em muitas praças de 2ª e de 3ª, fizeram diminuir drasticamente esses números”13, referiu António Lúcio num artigo de opinião relacionado com a drástica diminuição do número de touros lidadas em Portugal.

Os exemplos são muitos, e há casos, em que as autarquias atribuíram subsídios como forma de estímulo ao trabalho desenvolvido, como aconteceu em 10 de julho de 2014 em Alcochete, quando a autarquia local aprovou em reunião de Câmara a atribuição de um subsídio de 32.400 € ao Aposento do Barrete Verde pelo “excelente trabalho” na condução das Festas do Barrete Verde e das Salinas (Acta nº 16 de 10/07/2014).

Municípios que mais gastam no apoio à tauromaquia:

  • Santarém
  • Azambuja
  • Vila Franca de Xira
  • Moita
  • Alcochete
  • Montijo
  • Angra do Heroísmo
  • Estremoz
  • Elvas

As autarquias locais assumem uma parte importante dos apoios disponibilizados para a promoção da tauromaquia porque garantem a presença de público nas praças e a continuidade desta tradição. Os apoios das Câmaras Municipais totalizam cerca de 2.800.000 euros anuais.

Outra forma de favorecimento da atividade é a redução de taxas e licenças. Por exemplo, em Rio Maior, a Câmara Municipal favorece a violência das touradas em relação à prática desportiva e às romarias tradicionais. Consultando a tabela de taxas a pagar para o pedido de licença de realização de espetáculos desportivos e divertimentos públicos, verificamos que as touradas pagam 3 vezes menos que uma prova desportiva:

Tipo de espetáculoTaxas por dia
Provas desportivas 18,00 € 
Arraias, romarias e bailes 14,16 €
Touradas e garraidas 6,00 €
Valor das taxas para o pedido de licença de realização de espetáculos – Rio Maior

A compra de bilhetes para touradas (que as autarquias oferecem à população) assumem particular relevância porque garantem a presença de público nas praças de touros e a continuidade desta tradição.

Eis alguns exemplos de municípios que investem fundos públicos na atividade tauromáquica:

Santarém – É um dos municípios que mais investe na compra de bilhetes para touradas. Habitualmente a Câmara Municipal gasta 10.000 € em cada tourada, oferecendo os bilhetes à população como forma de garantir a presença de público naquela que é a maior praça de touros do país, mas que se encontra fechada praticamente todo o ano. A praça de touros é propriedade da Santa Casa da Misericórdia e é explorada por uma associação privada (Associação Praça Maior). Em 2019 a Praça Maior recebeu 25.000 € da autarquia para a aquisição de bilhetes para 3 touradas (ver aqui). Em 2022 a associação passou a designar-se “Setor 9” e já recebeu 10.000 € para a compra de bilhetes para uma tourada realizada a 19 de março (ver aqui) o que representa um aumento do apoio da autarquia.

Em 2023, a Associação Setor 9 celebrou um contrato com a Câmara Municipal no valor de 37.500,00 € + IVA para a “aquisição de bilhetes – Corridas de toiros a realizar no dia 19 de março, 3 e 10 de junho de 2023 na Praça de Toiros Monumental Celestino Graça” em Santarém. Em comparação com os anos anteriores, verifica-se um aumento do investimento da autarquia na compra de bilhetes para touradas.

Vila Franca de Xira – A Câmara Municipal gasta cerca de 60.000€ anuais, apenas para o financiamento da escola de toureio “José Falcão”. O valor encontra-se descrito no Orçamento Municipal e Grandes Opções do Plano para 2019 da autarquia Ribatejana, totalizando 300.000€ até ao ano de 2023. Além desta verba, a Câmara de Vila Franca de Xira apoia a realização de largadas e corridas de touros, além de outras instituições relacionadas com a tauromaquia. Em 2018 o Presidente da Câmara assumiu numa entrevista que “em termos globais, existe um investimento anual de cerca de 270.000,00 € que se destina à realização de diversos eventos, como é o caso da Feira das Tertúlias, da Semana da Cultura Tauromáquica, do Colete Encarnado e da Feira de Outubro, e ainda de apoio ao funcionamento da Escola de Toureio José Falcão“*.

* Entrevista a Toureio.pt: https://toureio.pt/a-tauromaquia-e-muito-mais-do-que-apenas-uma-parte-da-nossa-historia-e-um-aspecto-profundamente-enraizado-na-nossa-cultura-diz-autarca-de-vila-franca-de-xira

Montijo – Em maio de 2022, a Câmara Municipal do Montijo adquiriu 4.000€ em bilhetes à empresa tauromáquica “Tertúlia Obvia, Lda.” com sede no Redondo (Évora). O contrato foi celebrado no dia anterior à realização da tourada, e segundo o contrato de ajuste direto, teve por objeto a “aquisição de bilhetes para a corrida de touros de 14 de maio de 2022“. Apesar do investimento, a afluência de público foi bastante fraca, o que revela o crescente desinteresse pelas touradas, mesmo em municípios com maior tradição. Recorde-se que em 2021, ano de fortes restrições em termos de promoção de touradas e espetáculos culturais, a Câmara do Montijo gastou 16.260 € em bilhetes para 2 touradas realizadas na cidade à empresa tauromáquica “AC EVENTOS, UNIPESSOAL, LDA”.

Estremoz – A praça de touros de Estremoz é um espaço privado (do Centro de Bem-Estar Social de Estremoz) que esteve encerrado e abandonado durante anos. Em 2012 o município decidiu estabelecer uma parceria com a instituição privada, através da cedência da praça por 25 anos. A autarquia investiu cerca de 2 milhões de euros na reabilitação do equipamento para a realização de touradas, recorrendo a fundos da União Europeia. Um ano após a inauguração a Câmara gastou mais 76.000 euros em “trabalhos imprevistos”. Em 2022 a Câmara de Estremoz gastou mais 21.972 € para pintar as paredes interiores da praça de touros para a realização de 1 tourada. Além destes investimentos, desconhece-se o apoio que a Câmara concede aos empresários tauromáquicos sempre que se realiza uma tourada naquele recinto que recebe, em média, apenas 2 touradas por ano.

Angra do Heroísmo – A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (Açores) também se destaca no grupo de municípios que financiam a tauromaquia. Em 2017, por exemplo, gastou 100.000€ na promoção de 4 touradas na Ilha Terceira. Além disso, a Câmara concede vários apoios regulares a grupos de forcados e criadores de touros na ilha, e promove vários eventos tauromáquicos, entre os quais, eventos ilegais destinados às crianças, como é o caso da “Espera de Gado Infantil” nas festas Sanjoaninas. No meio tauromáquico fala-se ainda numa inflação dos valores cobrados pelos toureiros quando se deslocam aos Açores. O cachet dos artistas é suportado pela Câmara Municipal.

Abiul – Pequena freguesia de Pombal, com cerca de 2.700 habitantes. Se toda a população fosse à praça de touros assistir a uma tourada, a praça estaria meia, porque o recinto tem capacidade para 4.500 pessoas. A Junta de Freguesia investe bastante dinheiro na manutenção do espaço que recebe apenas 2 ou 3 touradas por ano. Em 2011 a Junta gastou 155.000€ em obras de reabilitação da praça (quase 60€ por habitante). Em 2015 foram gastos mais 9.000€ em obras e no ano seguinte (2016) a Junta gastou 1.500€ num estudo sobre as condições de segurança da praça de touros e respetivo projeto de recuperação.

Azambuja – A Câmara Municipal gastou 600.000€ na construção de uma nova praça de touros em 2011, investimento que se revelou ruinoso. O dinheiro foi proveniente do reembolso de fundos comunitários de investimentos feitos pela EMIA (Empresa Municipal). A praça é fruto de uma opção política do presidente da Câmara da altura, que foi muito contestada pela oposição e população tendo em conta que a remodelação das piscinas municipais foi colocada de lado para se construir a praça de touros, que apenas recebe 1 corrida por ano e que nunca enche de público, apesar de só ter 2.000 lugares. A gestão da praça foi entregue a uma associação (A Poisada do Campino) que recebe subsídios da Câmara e subaluga a praça a empresários tauromáquicos, num negócio pouco claro e que tem motivado críticas pela falta de transparência. Em 2016 o empresário tauromáquico que promovia touradas naquele espaço, queixava-se – curiosamente – da tradição da autarquia comprar e oferecer os bilhetes, numa entrevista a um jornal local: “O grande problema é que durante muitos anos a Câmara ofereceu bilhetes às pessoas e essa cultura de se ir ver touradas a custo zero ainda se encontra instalada17.

Alcochete – Em 3 de março de 2023, a Câmara Municipal de Alcochete assinou um contrato com a empresa tauromáquica “Toiros & Tauromaquia” para a “Aquisição do Serviço de Eventos Tauromáquicos, no âmbito do PRR-Componente 3-OIL Alcochete-Bairro do Passil-Eixo da Saúde“, que consistiu na compra de bilhetes para touradas. O contrato, no valor de 12.200€ + IVA, foi denunciado pela Plataforma Basta de Touradas, uma vez que não se pode compreender que os fundos do PRR sejam utilizados na compra de bilhetes para um espetáculo tauromáquico, ao abrigo do eixo da “saúde”.

Cartaz de tourada com apoio da Câmara Municipal
Exemplo de cartaz de tourada com apoio da Câmara Municipal e Junta de Freguesia.

O apoio das autarquias, na maioria das vezes, não se reflete num retorno económico para o município. Por exemplo, em 12 de setembro de 2018, a Câmara Municipal do Redondo deliberou em reunião de Câmara exigir a restituição do subsídio atribuído à Associação Tauromáquica Redondense, organizadora das corridas no Coliseu do Redondo, no valor de 10 mil euros para a organização de uma corrida de gala “à antiga portuguesa” realizada naquela praça de toiros no dia 3 de Agosto. A autarquia alegou que “Havia uma expectativa bastante elevada e o que foi apresentado não correspondeu em nada ao que foi proposto“, conforme se pode ler na acta dessa reunião. António Recto, presidente da Câmara, afirma ter-se “sentido enganado” e exigiu o dinheiro de volta, “porque o executivo é responsável e tratam-se de dinheiros públicos“. A decisão de pedir a restituição de parte da verba foi corroborada por todos os elementos da Câmara, mas não há notícias que tenha efetivamente acontecido.

Entre as várias empresas tauromáquicas que beneficiam de apoios públicos, há uma que se destaca nos últimos anos. Trata-se da empresa RACG (ex-Colina Fresca), que tem sede nas Caldas da Rainha, do empresário tauromáquico Ricardo Levesinho, ex-presidente da Associação Portuguesa de Empresário Tauromáquicos.

No espaço de apenas 2 anos, esta empresa beneficiou de mais de meio milhão de euros, através de duas Câmaras Municipais (Moita e Vila Franca de Xira) para o aluguer de touros para largadas e compra de bilhetes para touradas.

PublicaçãoMunicípioTotal com IVA
10-05-2023Contratação de toiros para LargadasMoita60.454
13-03-2023Aluguer de Toiros e NovilhosVila Franca de Xira178.952
09-09-2022Aquisição de bilhetes para Corrida de TourosMoita22.975
07-09-2022Contratação de toiros para largadasMoita48.154
19-05-2022Contratação de Toiros para LargadasMoita14.329
21-04-2021Aluguer de toiros e novilhosVila Franca de Xira178.952
TOTAIS503.816€
Contratos públicos celebrados com a empresa tauromáquica RACG entre abril de 2021 e maio de 2023.

Consultar aqui todos os contratos celebrados com a empresa RACG – Sociedade Comercial, Lda.

Os apoios da União Europeia e do Estado

A principal fonte de financiamento das touradas surgiu com a entrada de Portugal na União Europeia, quando os criadores de bovinos destinados às touradas passaram a receber diversos apoios da Política Agrícola Comum (PAC), criando a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide (APCTL), apesar do principal objetivo da PAC ser “apoiar os agricultores e melhorar a produtividade do setor agrícola, garantindo um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis” e não, a criação de animais para entretenimento e maus tratos.

Neste sentido, e tendo em conta que em Espanha, os criadores de touros de lide recebem anualmente cerca de 200.000.000 € de fundos da PAC14, estima-se que em Portugal (tendo em conta o número de ganadarias e de efetivos existentes no nosso país) esse valor seja de cerca de 15 milhões de euros.

Atualmente em Portugal, existem 2 agrupamentos de produtores de touros de lide que recebem as ajudas da PAC, de acordo com informação disponibilizada pelo Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas:

  • BOVIBRAVO, Agrupamento de Produtores de Bovinos de Raça Brava de Lide (Samora Correia) – Entidade associada à APCTL
  • APBRB-Agrupamento de Produtores de Bovino da Raça Brava Lda. (Portalegre) – Responsável pela certificação DOP da carne de raça brava.

No caso da criação de bovinos de lide, os apoios/financiamentos que são levados a efeito, relacionam-se com a criação de bovinos na sua generalidade, sem especificação da raça, ou seja, a UE não distingue os bovinos que são destinados à produção de alimentos (leite ou carne) e aqueles que têm como finalidade a obtenção de comportamento para as touradas, o que permite aos Ganadeiros beneficiar destes apoios. Significa que em Portugal, uma grande fatia dos apoios comunitários que deviam ser destinados pelo Ministério da Agricultura para a produção de bens alimentares, são aplicados no apoio à obtenção de comportamento para um evento de mero entretenimento – a tourada.

Um dos benefícios da PAC concedidos aos criadores de bovinos é o prémio de “vacas aleitantes” que em 2012 era de 200€ + 30,19€ (prémio suplementar). Tendo em conta que em Portugal existiam nesse ano cerca de 9.000 vacas bravas, os criadores de touros de lide receberam qualquer coisa como 1.800.000€ só deste apoio.

Por outro lado, e no âmbito da PAC, os criadores recebem os prémios de abate, que em 2012 era de 32€ (bovinos com mais de 8 meses). Tendo em conta que nos anos de 2010 e 2011 foram abatidos cerca de 1.600 touros de lide em Portugal, o valor ronda os 50.000€ por ano.

Além das ajudas para a criação de touros, a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) financia a realização de provas para apurar quais os melhores animais para a realização de touradas, além de programas de conservação e melhoramento genético dos touros de lide e de cavalos de toureio.

No documento afeto ao PDR 2020 (“Normas para Aplicação e Validação dos Programas de Conservação Genética Animal e Programas de melhoramento Genético Animal”), é possível verificar que está prevista uma medida específica para cavalos de toureio e para a raça bovina Brava de Lide, com financiamento para a realização de “provas morfofuncionais” que consistem na realização de “tentas“, que são práticas proibidas em Portugal pela sua especial crueldade, e que incluem a participação de “picadores” que realizam a chamada “sorte de varas“. Essa prática, apesar de ilegal, é financiada com fundos comunitários. Na atualização do documento em 2019, a DGAV mantinha este apoio específico para touros e cavalos de toureio.

Já no período 2007-2013, os produtores de bovinos de raça brava tinham sido abrangidos pela “Estratégia para a Conservação e Melhoramento das Raças Autóctones” com financiamentos diretos aos agricultores e às Associações de Criadores, no caso, a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide.

O Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER) é outra fonte de financiamento da atividade. Por exemplo, em 2014, a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide beneficiou de um financiamento de 135.625€ do (PRODER), além de 108.500€ do FEADER e 27.125€ do Orçamento de Estado, de acordo com as tabelas do IFAP.

Os criadores de touros conseguem ainda aceder aos fundos europeus destinados à proteção ambiental e combate às alterações climáticas. Em 2021 a Associação de Criadores de Toiros de Lide recebeu quase 100 mil euros do FEADER, no âmbito da medida medida IV/A.15 [DR 2014-2020] R.1305/2013, art.º 28.º (Agroambiente e clima) que se destina a incentivar os gestores de terras a utilizar práticas agrícolas que contribuam para a proteção do ambiente, da paisagem, dos recursos naturais, e para a atenuação dos efeitos e adaptação às alterações climáticas.

Além disso, e apesar da raça brava não ser criada para a obtenção de carne, em 2007 os ganadeiros de touros de lide conseguiram, através da publicação do Aviso nº 4882/2007, certificar a carne de bovinos de raça brava como Denominação de Origem Protegida – DOP, através da designação “Carne de Bravo do Ribatejo DOP” (processo aprovado em 2007 em Portugal e reconhecido pela UE em 2013) beneficiando de ainda mais apoios financeiros para a sua criação, apoios esses de mais 4€ por cabeça de gado (segundo os dados de 2012) aos quais se acrescenta a criação em modo biológico.

Nos últimos anos, além dos fundos da PAC, a tauromaquia tem conseguido aceder aos fundos da União Europeia para o desenvolvimento regional, beneficiando de apoios para a realização de palestras e debates (como sucedeu nas 1ªas Jornadas de Tauromaquia em Idanha-a-Nova) e para a reabilitação e construção de novas praças de touros com fundos comunitários.

Também o Estado contribui diretamente para o financiamento da atividade, através do Orçamento do Estado. A Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide (APCTL) recebeu apoios do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, entre 2014 e 2020 no valor de centenas de milhares de euros anuais. Em 2015, esse valor foi 280.680,00 €, conforme se pode verificar na lista de beneficiários relativa a esse ano e em 2020 o valor foi de 158.540,00 €, através da “Operação 7.8.3. Recursos Genéticos – Conservação e Melhoramento de Recursos Genéticos Animais” do PDR, sendo que 123.661,20 € foram provenientes do FEADER e os restantes 34.878,80 € do Orçamento do Estado.

O Governo Regional dos Açores não quis ficar atrás, e concede ajudas à aquisição de reprodutores de gado bravo com vista à sua melhoria genética e ao incentivo à criação de animais para touradas. Estes benefícios tiveram início com a publicação da Portaria n.º 65/2000, de 20 de setembro, mais tarde atualizada pela Portaria n.º 138/2015 de 23 de Outubro de 2015. Em 2020 foi efetuada uma nova atualização deste apoio através da publicação da Portaria n.º 2/2020 de 7 de janeiro de 2020. Na prática o apoio concedido consiste numa comparticipação financeira à aquisição de bovinos reprodutores (de raça brava de lide) de 50% do valor de aquisição e transporte, sem IVA.

Com a pandemia, os criadores de touros açorianos, beneficiaram de outros apoios para compensar a paragem da atividade. Em junho de 2020 o Secretário Regional da Agricultura e Florestas, João Ponte, concedeu um apoio excecional de 15.000 € aos criadores de touros para compensar o cancelamento de espetáculos tauromáquicos nos Açores, nomeadamente as “touradas à corda”. Poucos dias depois, o Governo Regional dos Açores concedeu um apoio financeiro de 500 € por cada tourada à corda e de 6.000 € por cada tourada de praça canceladas no arquipélago. Mais uma vez, o apoio foi diretamente para os bolsos dos criadores de touros de lide dos Açores.

Em 2021, no contexto da pandemia de COVID-19, o Governo português (através do Ministério da Cultura) concedeu mais de 200 mil euros para a realização de touradas em Portugal. Só nos primeiros meses de 2021 foram atribuídos 234.144,5 € de fundos comunitários a 5 empresas tauromáquicas, ao abrigo do programa “Garantir Cultura” que visava o apoio do Governo à atividade cultural fortemente afetada pela pandemia de Covid-19.

19 milhões de euros por ano

No total, somando os diferentes apoios disponibilizados, a estimativa aponta para uma despesa pública anual de cerca de 19.050.000 € com a tauromaquia em Portugal, verbas provenientes das autarquias locais e da União Europeia, que contribui com o pagamento de ajudas, prémios, subsídios e financiamentos comunitários que abrangem a criação de bovinos de lide (destinados às touradas) e a construção ou reabilitação de Praças de touros.

Neste quadro são apresentados os valores totais estimados dos fundos públicos destinados à tauromaquia anualmente:

OrigemDestino Valor
União Europeia Prémio vacas aleitantes (PAC)
Prémio Raças Autóctones (PAC)
Prémio de abate (PAC)
Produção machos bovinos (PAC)
Conservação e melhoramento genético de touros e cavalos de toureio
Comercialização via “Origem Protegida”
Reabilitação e construção de Praças de touros
15.500.000,00€
AutarquiasOrganização de touradas
Compra de bilhetes para touradas
Organização/Apoio de feiras taurinas/festejos populares
Reabilitação e construção de praças de touros
Manutenção de praças de touros
Financiamento de “escolas de toureio”
Transportes e subsídios: tertúlias, clubes taurinos e forcados
Prémios, homenagens (estátuas, troféus, etc.)
Publicidade (nas praças de touros e nos cartazes)
Redução do valor de taxas e licenças
2.800.000,00€
GovernoCriadores de Toiros de Lide, empresários e artistas tauromáquicos 250.000,00 €
G. Reg. AçoresCriadores de touros de lide, artistas, empresários e promotores500.000,00€
TOTAL 19.050.000,00 €
Estimativa anual dos fundos públicos destinados a financiar a atividade tauromáquica em Portugal (última atualização: abril de 2023).


1. Nestes dados não estão os encargos do Estado com os Delegados Técnicos Tauromáquicos, que de acordo com a legislação, têm direito a uma remuneração por cada tipo de espetáculo que dirijam, nos termos definidos por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cultura, bem como ao abono de ajudas de custo, transporte e alimentação, nos termos do regime aplicável aos trabalhadores em funções públicas na primeira posição remuneratória da carreira de técnico superior, de acordo com a tabela remuneratória única. As despesas são suportadas pela IGAC. (artigo 5º do Regulamento do Espetáculo Tauromáquico – Anexo do Decreto-Lei n.º 89/2014, de 11 de junho).

A estes valores junta-se ainda os apoios disponibilizados pelo Ministério da Cultura durante a pandemia de COVID-19, que totalizaram mais de 200.000€ de ajudas a empresas tauromáquicas para a realização de touradas, a despesa pública com a transmissão em direto de touradas (interrompida pela RTP em 2020) e as despesas com a remuneração dos Delegados Técnicos Tauromáquicos nomeados pela Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC).

Apesar de alguns representantes do setor continuarem a negar a existência de apoios públicos, os factos são facilmente comprováveis, e não deixa de ser curioso que o lobby tauromáquico invista tanto dinheiro em campanhas de sensibilização em Bruxelas de forma a garantir a continuidade destes financiamentos.

Tratando-se de uma atividade que não respeita as regras de bem estar animal comunitárias, que promove a violência e que é nefasta para as crianças e jovens (conforme já foi reconhecido pelo Comité dos Direitos da Criança), é questionável o investimento de fundos públicos nesta atividade, principalmente de verbas que se deviam destinar ao desenvolvimento da agricultura. Curiosamente, em Portugal, as touradas estão afetas a dois Ministérios: o da Cultura (pelo estatuto cultural alcançado em 1991) e da Agricultura (que garante o financiamento da atividade de criação de touros de lide).

Exemplos comos os de Viana do Castelo e Póvoa de Varzim, entre outros, onde as autarquias decidiram deixar de apoiar a realização de touradas, demonstram que os municípios têm muito a ganhar com a reconversão das praças de touros em espaços desportivos e culturais. Nestes dois exemplos, não só não houve nenhum impacto económico nem social com o fim das touradas, como foi possível recuperar dois equipamentos que estavam praticamente abandonados, tal como estão a grande maioria das praças de touros do país. Além disso, a reconversão destes dois recintos, vai possibilitar a criação de dezenas de novos postos de trabalho e o seu usufruto por toda a população durante o ano inteiro.

Vários partidos têm apresentado na Assembleia da República iniciativas exigindo o fim do financiamento público da tauromaquia, mas sem sucesso. Em 2020 Câmara de Lisboa instou “o Governo e a Assembleia da República a adotar legislação que não permita o financiamento público de eventos que causem sofrimento animal”, onde se incluem as touradas. A moção foi aprovado com os votos favoráveis de BE, PS e PSD e os votos contra do PCP e do CDS-PP.

“A Lide não se sustenta sem ajudas públicas”

Javier Salas, Jornal Público (Espanha), 2 de agosto de 2010

“As ajudas públicas mantêm vivo o negócio dos touros”

Toni Martínez, Jornal MásPúblico (Espanha), 3 de agosto de 2012
Autocarros de Câmaras Municipais dp Alentejo e Ribatejo no Campo Pequeno.
Autocarros de Câmaras Municipais transportam centenas de pessoas para assistir a touradas na praça de touros do Campo Pequeno em Lisboa. (foto: Basta de Touradas)

Fontes:

  1. Estadística de Asuntos Taurinos 2007 – 2011 – Sintesis de Resultados – Subdirección General de Estadística y Estudios Ministerio de Educación, Cultura y Deporte Noviembre 2012.
  2. Inquérito “Hábitos y Prácticas Culturales en España (2010-2011)”, Ministério da Cultura de Espanha.
  3. Sindicato Nacional dos Toureiros Portugueses. “Síntese do valor económico e social da raça bovina brava”. Lisboa : Sind. Nac. dos Toureiros Portugueses, [D.L. 1975].
  4. IGAC – Relatório da Atividade Tauromáquica 2011, Dezembro de 2011.
  5. INE – Estatísticas da Cultura.
  6. Portal Base (Contratos públicos)
  7. Centro Cultural Regional de Santarém. “Touros, toureiros e touradas : conferências 1998/1999”. Santarém: C.C.R., 2001.
  8. Vila Franca de Xira. Câmara Municipal. “Tertúlias e outros lugares da tauromaquia”. Vila Franca de Xira : Câmara Municipal, 1999.
  9. Diário Popular. 24 de dezembro de 1966 – (1966), “Touradas à Portuguesa”, Fundação Mário Soares / DBE – Documentos João Bénard da Costa.
  10. Almeida, Jaime Duarte de. “História da Tauromaquia”. Lisboa: Artis, 1951.
  11. Decreto Regulamentar n.º 62/91, de 29 de Novembro.
  12. Decreto-Lei n.º 89/2014 de 11 de junho.
  13. Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Orçamento Municipal e Grandes Opções do Plano para 2019
  14. “Ganadarias portuguesas lidam e exportam menos toiros”, Barreira de Sombra 10 de Janeiro de 2012
  15. https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2022-04-01-touradas-podem-estar-a-beneficiar-com-milhoes-de-euros-de-fundos-da-uniao-europeia
  16. IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas.
  17. Tribunal de Contas (Auditoria), Processo nº2/2012 – Audit. 1ª S.
  18. Sílvia Agostinho. “O negócio das praças de touros”, Jornal Valor Local. 25 de julho de 2016.
  19. Normas para Aplicação e Validação dos Programas de Conservação e Melhoramento Genético Animal – PDR2020 – 2017
  20. Normas para Aplicação e Validação dos Programas de Conservação e Melhoramento Genético Animal – PDR2020 – 2019
  21. Orçamento e Grandes Opções do Plano do Município de Angra do Heroísmo