Desmistificamos os maiores mitos e mentiras sobre as touradas respondendo a várias perguntas frequentes neste debate.
Aqui encontras tudo o que precisas de saber sobre as touradas e o que está escondido dos olhares do público, com base num conhecimento profundo e da observação no terreno desta cruel realidade.
Sobre os animais:
- Nas touradas os touros sofrem?
- Os touros têm uma vida tranquila no campo?
- Os touros são usados mais do que uma vez nas touradas?
- Em Portugal é proibida a morte do touro na arena?
- O que acontece aos touros após a tourada?
- Quando as touradas acabarem, extingue-se a espécie de touro bravo?
- Os cavalos sofrem?
- Os animais são assistidos por um Médico Veterinário?
Sobre economia, cultura e tradição:
- As touradas são uma herança cultural importante na cultura portuguesa?
- Porque é que em Portugal se toureia a cavalo?
- Os forcados são uma tradição genuinamente portuguesa?
- As touradas geram muito dinheiro?
- As touradas geram postos de trabalho?
- A maioria dos portugueses gosta de touradas?
- Há cada vez mais portugueses contra as touradas?
- As touradas atraem turistas?
- Porque é que a maioria das praças são das Misericórdias?
1. Nas touradas os touros sofrem?
A ciência diz-nos que sim, que os animais sofrem muito nas touradas, antes, durante e após os espetáculos. No caso dos touros, os animais são sujeitos a intenso stress quando são afastados da sua manada, colocados em camiões e transportados para a praça de touros. Aí são descarregados para os curros, onde são “embolados”, ou seja, são imobilizados e os seus cornos são serrados pelo embolador que lhes coloca as “embolas”1.
Durante o espetáculo, os touros sofrem diversas agressões com bandarilhas de vários tipos: “ferros compridos”, com arpões até 4 cm de comprimento e 2 cm de largura e ferro até 140 cm, “ferros curtos” e “ferros de palmo”, com um ferro de 90 cm e 35 cm de comprimento, respetivamente, enfeitados com papel de seda de variadas cores e rematados com um ferro até 8 cm de comprimento com um ou dois arpões até 4 cm de comprimento e 2 cm de largura.
Estas armas letais, penetram a pele e músculos dos animais, provocam intenso sangramento e ferimentos consideráveis.
A lide com o capote, tem por função cansar o animal e aumentar o grau de lesão dos “ferros”, uma vez que os “passes de capote” fazem o animal rodar a cabeça, rasgando ainda mais os músculos para que o touro baixe a cabeça, permitindo assim a realização da “pega” pelos grupos de forcados no final da lide.
Estes animais estão habituados à pastar tranquilamente em manada nas ganadarias, e não estão preparados para o intenso esforço físico e a sobrecarga de estimulação a que são sujeitos na arena. Ao fim de poucos minutos, o desgaste físico dos touros é perfeitamente visível na expressão dos animais, com a boca aberta e a língua esticada, além de outros sinais como o facto de urinarem descontroladamente durante a lide.
Não existe nenhum estudo científico que demonstre que os touros de lide conseguem “absorver a dor” ou “anestesiar-se quase imediatamente“. Frequentemente é referida a existência de um estudo do Professor espanhol Illera del Portal, mas esse alegado estudo nunca foi publicado em nenhuma revista científica nem nunca foram apresentados os métodos usados para chegar às surpreendentes conclusões.
O estudo em causa tem sido bastante criticado pela comunidade científica pela forma pouco profissional e pouco transparente como foi divulgado e utilizado para defender a tauromaquia. Se os resultados apresentados fossem verdadeiros, estaríamos perante uma das maiores descobertas do século.
O cavaleiro tauromáquico Francisco Palha referiu numa entrevista em 20182, que acredita que “os touros sentem a picada da bandarilha como nós sentimos a picada de um alfinete“, numa comparação que não é sustentada por qualquer tipo de evidência científica e ridiculariza a argumentação dos defensores das touradas.
1 Proteção de couro e ferro que protege os artistas e cavalos das investidas do animal.
2 https://magg.sapo.pt/atualidade/atualidade-nacional/artigos/entrevista-a-um-toureiro-os-touros-sentem-a-picada-da-bandarilha-como-nos-sentimos-a-picada-de-um-alfinete
2. Os touros têm uma vida tranquila no campo?
Todos já ouvimos dizer que os touros têm uma vida tranquila e de grande bem estar nos seus primeiros 4 anos de vida, antes de serem lidados na arena. Esta afirmação não é totalmente verdadeira, ignorando o facto destes animais serem sujeitos – por exemplo – à “ferra” que consiste em imobilizar os bezerros entre os 7 e os 12 meses de idade, e marcar a sua carne com um ferro em brasa (ou com um dispositivo elétrico). Os animais são sujeitos várias vezes a este procedimento cruel, para a marcação do símbolo da ganadaria, o número de ordem do animal e o algarismo do ano de nascimento.
Este procedimento é extremamente doloroso para os animais. Mas não é tudo. Todos os cavaleiros tauromáquicos e restantes “artistas” têm que efetuar vários treinos ao longo do ano. Esses treinos, com recurso a bandarilhas, são realizados recorrendo a animais muito jovens, normalmente bezerros e vacas. Acrescenta-se ainda as chamadas “tentas” que são processos extremamente sangrentos e que consistem em provas práticas para aferir o grau de bravura dos animais e determinar se as vacas têm condições para gerar touros aptos para as touradas.
As “tentas” são geralmente realizadas nos meses de Primavera e princípio do Verão, nas herdades privadas das ganadarias, de forma ilegal e com recurso a “picadores“, que em cima de um cavalo com os olhos vendados e uma proteção acolchoada à volta do corpo, espetam repetidamente a vara afiada no dorso dos animais para aferir a sua bravura (sorte de varas). Nas principais ganadarias chegam a ser sujeitas à “tenta” cerca de 70 fêmeas muito jovens.
Perante esta realidade é falso afirmar que estes animais têm uma vida tranquila e saudável nos seus primeiros anos de vida. Pelo contrário. Desde que nascem que estes animais são sujeitos a várias práticas que nada têm a ver com bem estar animal ou com respeito pela sua existência. Resta acrescentar que os touros de lide podiam viver cerca de 20 anos, sendo lidados por volta dos 4 anos de idade, ou seja, ainda muito jovens.
3. Os touros são usados mais do que uma vez nas touradas?
O Regulamento Tauromáquico proíbe expressamente a reutilização dos touros de lide em futuros espetáculos tauromáquicos. A razão é simples: estes animais têm a capacidade de aprender com a experiência, pelo que se forem reutilizados tornam-se muito mais perigosos e mais difíceis de lidar.
Há alguns anos era obrigatório marcar os touros com a letra “R” para que se soubesse que aquele animal já tinham sido lidado e impedir este tipo de fraude. Durante algum tempo, alguns empresários tauromáquicos, utilizavam touros que já tinham sido lidados previamente nas arenas, porque isso dava origem a mais acidentes e tornava o espetáculo mais emocionante para o público.
Atualmente é expressamente proibido, mas há provas que alguns touros lidados nas praças de touros acabam por ser aproveitados para as largadas na rua, devido à deficiente fiscalização deste setor.
4. Em Portugal é proibida a morte do touro na arena?
Em Portugal as touradas de morte são proibidas desde 1821.
No entanto, em algumas localidades esta proibição não foi cumprida, mantendo-se a realização de touradas de morte até aos nossos dias. O caso mais mediático foi a localidade de Barrancos, na fronteira com Espanha. Durante décadas a população de Barrancos manteve a realização de “touradas à espanhola” num recinto improvisado no centro da vila.
Esta situação motivou uma grande contestação por parte da sociedade civil e organizações de proteção animal. Apesar das várias denúncias e ações em tribunal (mais de 100 ações jurídicas), as autoridades nunca foram capazes de impedir a violação flagrante da lei, limitando-se a identificar os protagonistas depois da morte do touro.
O caso lançou um intenso debate na sociedade que terminou em 2002 com a criação de um regime excecional bastante polémico que permitiu legalizar os touros de morte em Barrancos.
A posição assumida pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, foi determinante no processo. Sampaio referiu publicamente que “O Presidente é a favor da legalidade, mas, acreditando na autoridade democrática, recomenda que tentemos preservar as tradições e perceber os povos mais distantes. Há tradições que seria conveniente enquadrar legalmente de outra maneira“.
As declarações de Jorge Sampaio levaram os grupos parlamentares do CDS-PP, PSD e PCP a apresentarem um projeto conjunto que criou o regime de exceção para espetáculos com touros de morte em Barrancos e que foi aprovado por maioria no Parlamento a 17 de julho de 2002, com 116 votos a favor, 92 contra e 9 abstenções.
A Lei n.º 19/2002 de 31 de Julho (que proíbe os touros de morte) estabelece no artigo 3º que “A realização de qualquer espetáculo com touros de morte é excecionalmente autorizada no caso em que sejam de atender tradições locais que se tenham mantido de forma ininterrupta, pelo menos, nos 50 anos anteriores à entrada em vigor do presente diploma, como expressão de cultura popular, nos dias em que o evento histórico se realize”.
Na prática a lei afirma que, quem violar a lei durante 50 anos (sem interrupção) é compensado pelo Estado com a legalização da prática tradicional, mesmo que isso implique violência e crueldade contra os animais. No fundo o Estado concede um prémio a quem não cumprir a lei de forma sistemática e incentiva as populações a insistir na violação da lei de proteção aos animais.
Graças a esta polémica lei, os touros de morte foram legalizados em Barrancos, e anos mais tarde em Reguengos de Monsaraz onde – alegadamente – se manteve durante 50 anos ininterruptos a tradição de amarrar um touro a um poste e matá-lo com facas de cozinha.
5. O que acontece aos touros depois das touradas?
Os touros em Portugal são abatidos no matadouro depois da lide na arena. No final da tourada (depois de cravados um número indeterminado de bandarilhas) os touros são recolhidos aos curros da praça. Nas praças de touros fixas, a recolha é feita com o auxílio de vacas que conduzem o animal para a saída. Nas praças portáteis, é necessário laçar uma corda na cabeça do animal, que é puxada no exterior por um tractor (ou outro veículo) arrastando o touro até ao interior dos curros ou, geralmente, diretamente para o camião de transporte.
As bandarilhas são arrancadas pelo embolador ou por qualquer colaborador, ainda durante a corrida de touros, sendo necessário cortar a carne do touro com uma navalha para que se consiga puxar a bandarilha e arranca-la do dorso do animal. Muitas vezes os ferros são retirados por um indivíduo que se deita no topo do camião de transporte e simplesmente os arranca do dorso do touro com puxões.
Os animais são mantidos vivos no veículo de transporte, num compartimento fechado, sem espaço para se mexer ou deitar, sem água nem alimento. Os animais são, desta forma, transportados para o matadouro, devendo ser abatidos no prazo máximo de 5 horas. Em alguns casos, muito raros, alguns animais são poupados ao sacrifício e são escolhidos para voltar à ganadaria de origem para reprodução (indulto), mas a esmagadora maioria dos touros tem por destino o matadouro para entrar na cadeia alimentar. Alguns morrem durante o transporte, antes de chegar ao matadouro.
Segundo dados obtidos pela Plataforma Basta de Touradas em 2010, os touros lidados em Portugal foram praticamente todos (1.925 touros) abatidos em 4 matadouros principais:
Matadouro | Touros de lide abatidos |
---|---|
Matadouro Santacarnes (Santarém) | 12 |
Matadouro de Ribacarnes (Tomar) | 58 |
Matadouro Mapicentro (Leiria) | 255 |
Matadouro de Mafra | 1.600 |
TOTAL | 1.925 |
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, os touros são mortos após a lide em Portugal.
6. Quando as touradas acabarem, extingue-se a espécie de touro bravo?
Esse é um dos maiores mitos e mentiras da indústria das touradas.
O touro bravo não é uma espécie biológica, é uma variedade entre milhares que estão registadas. A “raça brava” ou “de lide” é apenas uma das muitas raças de bovinos existentes em Portugal. Na verdade, estes animais foram selecionados artificialmente para se obter um determinado comportamento e fisionomia. Ou seja, são uma produção humana e são animais domesticados, não são touros selvagens.
Todos os bovinos domésticos descendem do “Auroque”, bovino selvagem que chegava quase aos 2 metros de altura e que foi extinto no século XVII. A raça brava é uma criação dos ganadeiros, e a sua continuidade depende da vontade dos seus criadores.
Não existe a espécie “touro de lide”, mas sim uma raça de bovinos criados artificialmente pelos humanos. É possível abolir as touradas mantendo a criação desta raça para fins turísticos, como já fazem alguns criadores.
7. Os cavalos sofrem?
Muitas vezes esquecidos, os cavalos são outra das vítimas das touradas, sendo forçados a enfrentar o touro na arena, servindo de “escudo” aos cavaleiros tauromáquicos que, sendo necessariamente muito bons cavaleiros, não correm grande perigo. Já os cavalos sofrem lesões, muitas vezes visíveis no dorso dos animais, devido à utilização de esporas que provocam cortes e sangramento na zona lombar.
Além disso, alguns cavalos sangram intensamente pelas narinas durante a atuação, como aconteceu em maio de 2021 durante uma novilhada na Azambuja.
O Regulamento do Espectáculo Tauromáquico não se refere aos cavalos, apesar de serem um dos principais intervenientes na “tourada à portuguesa“, por isso não existem regras para proteger o bem-estar destes animais. Alguns cavaleiros utilizam serretas1, duplas gamarras, cabos de aço, freios castigadores, embocaduras e outros utensílios cruéis que aumentam o grau de lesão nestes animais. Não existem regras para o alojamento destes animais antes e depois da sua participação nas touradas e há registo de muitos casos de cavalos que morrem durante ou após as corridas.
Em 2016 dois cavaleiros tauromáquicos admitiram o uso de substâncias proibidas em cavalos de toureio, principalmente naqueles que toureiam mais vezes, durante um colóquio no Campo Pequeno. A situação nunca foi investigada pelas autoridades, mas os cavaleiros admitiram que se fosse efetuado o controlo anti doping nos cavalos, muitas touradas deixavam de se poder efetuar, porque cerca de 75% dos cavalos seriam impedidos de entrar na arena.
1. Instrumento em forma de arco com picos colocado no nariz dos cavalos.
8. Os animais são assistidos por um Médico Veterinário?
Não é verdade que os animais utilizados nas touradas tenham assistência veterinária. Em cada espetáculo tauromáquico é obrigatória a presença de um Diretor de Corrida e um Médico Veterinário, que fazem parte do corpo de Delegados Técnicos Tauromáquicos designados pela IGAC. O Veterinário deveria inspecionar os touros antes do espetáculo e tem por obrigação garantir que são cumpridas algumas regras de bem-estar animal.
Muitas vezes entram na arena touros lesionados ou com problemas de visão, o que indica que não foram devidamente inspecionados. Durante a tourada, o Médico Veterinário está sentado ao lado do Diretor de Corrida nas bancadas, mantendo-se no seu lugar até ao final do espetáculo. Não intervêm na recolha dos animais da arena, nem durante o processo de retirada das bandarilhas nem nos casos em que os animais sofrem lesões durante a lide. Ao arrepio do Regulamento e da mais elementar deontologia médico-veterinária, o Veterinário nomeado para as touradas é uma vergonhosa “figura de corpo presente”.
9. As touradas são uma herança cultural relevante?
As lutas com animais bravos e selvagens foram muito populares em toda a Europa durante a Idade Média e até aos séculos XVII e XVIII. As touradas derivam destas lutas que serviam de treino aos cavaleiros, que caíram em desuso com o surgimento da pólvora e que evoluíram para uma “luta artística” que se foi transformando num negócio na Península Ibérica.
As lutas com touros ocorreram um pouco por toda a Europa medieval. A maioria dos países abandonou ou aboliu este tipo de divertimentos sangrentos por volta do século XVI por se tratar de eventos cruéis e impróprios de nações civilizadas. Atualmente as touradas são proibidas em diversas nações europeias como a Dinamarca, Alemanha, Itália ou Inglaterra, onde já existiram. Em Portugal foi durante a revolução liberal que as touradas foram mais contestadas, e a partir daí, suavizadas aos olhos do público. Curiosamente, durante o Estado Novo, quando se começou a instituir a “tourada à portuguesa”, muitos aficionados revoltaram-se acusando os empresários de distorcer a tradição ao incluir, por exemplo, os grupos de forcados. “A corrida de toiros foi cultivada durante séculos na península. Em Portugal, porém, decaiu a tal ponto que se transformou graças à falta de escrúpulos de certos traficantes da Tauromaquia, nesse espetáculo reles a que os empresários começaram a chamar anti-patrioticamente, a tourada à portuguesa.” escreveu o aficionado Nizza da Silva em 1933 no Jornal Tauromáquico “Sector 1”.
A existência de touradas em Portugal e Espanha é a demonstração de que as correntes progressistas dos séculos XVIII e XIX tiveram pouca expressão na Península Ibérica. As corridas de touros persistem ainda em algumas cidades do sul de França, por influência espanhola.
10. Porque é que em Portugal se toureia a cavalo?
A explicação é simples. Numa altura em que o espetáculo tauromáquico ainda se estava a desenvolver (século XVIII), para se transformar naquilo que é hoje, o Rei Filipe V de Espanha, que considerava estes divertimentos como “bárbaros e cruéis” e um péssimo exemplo para o povo pelo seu caráter grosseiro e pouco civilizado, proibiu os nobres de as praticar. Este facto, ocorrido em 1724, levou ao afastamento da figura do cavaleiro das corridas de touros em Espanha e ao aparecimento dos matadores a pé, que tinham origem nas classes mais baixas da sociedade.
Impedidos de tourear no país vizinho, os aristocratas espanhóis dedicaram-se em exclusivo à seleção e criação de touros, desenvolvendo fortemente esta atividade, e atravessaram a fronteira para Portugal desenvolvendo o toureio a cavalo no nosso país. O mesmo aconteceu em 1806, quando Carlos IV de Espanha proibiu as touradas e os matadores espanhóis vieram para Portugal matar touros na praça do Salitre (antiga praça de touros de Lisboa).
11. Os forcados são uma tradição genuinamente portuguesa?
Não. Com a proibição de matar o touro na arena, foi necessário encontrar uma forma de terminar a lide dominando a “fera”. Foi aí que se introduziu a “pega dos forcados” para simbolizar o domínio do homem sobre o animal no final da lide, inicialmente feita por “forcados profissionais”, compostos por jovens de classes baixas e trabalhadores rurais.
A “pega” de touros surgiu inicialmente em Espanha onde tinha o nome de “suerte de mancornar“. Foi uma prática popular no país vizinho no século XIX, mas que acabou por cair em desuso. Em Portugal, foi durante o Estado Novo com a aprovação do Regulamento do Espetáculo Tauromáquico (1953) que os forcados começaram a ser uma presença assídua nas touradas, inicialmente muito contestada.
Como se tornou numa prática que agradava ao público, alguns jovens da burguesia rural começaram a organizar-se em grupos de “forcados amadores” que não cobravam dinheiro. Rapidamente fizeram desaparecer os humildes forcados profissionais (que deixaram de atuar nos anos 50/60). A presença dos forcados nas touradas, foi inicialmente muito criticada pelos aficionados que os consideravam uma aberração que nada tinha a ver com a tradicional lide de touros que era baseada na lide espanhola. Só a partir das décadas de 80/90 é que os forcados começaram a ser aceites pelos aficionados, como um mal menor no espetáculo.
12. As touradas geram muito dinheiro?
Não. O ponto alto do negócio tauromáquico foi nos anos 80. Atualmente já existem cavaleiros e grupos de forcados que pagam para participar em touradas, e vários “agentes” da festa brava admitem publicamente que apenas se dedicam a este negócio por “paixão” porque ele não gera lucro.
Se as touradas fossem um negócio muito lucrativo não precisavam do apoio e dos subsídios atribuídos pela Câmaras Municipais que, em alguns casos, compram milhares de bilhetes para oferecer à população, como forma de garantir a presença de público nas praças e a viabilidade do espetáculo.
Além disso, é uma atividade que não atrai investidores, turistas nem patrocinadores. Nos últimos anos, as marcas comerciais deixaram que se associar à promoção de touradas, bem como a maioria das figura públicas. Uma atividade que não atrai patrocinadores nem turistas, não tem futuro em Portugal.
Vários toureiros têm admitido que não é possível viver só das touradas. Em 2018 o cavaleiro Francisco Palha admitiu numa entrevista que os toureiros têm outras atividades principais e que “Não se pode viver só disso“1.
1. MAAG. “Entrevista a um toureiro: Os touros sentem a picada da bandarilha como nós sentimos a picada de um alfinete“, 22 de novembro de 2018. (acedido aqui: https://magg.sapo.pt/atualidade/atualidade-nacional/artigos/entrevista-a-um-toureiro-os-touros-sentem-a-picada-da-bandarilha-como-nos-sentimos-a-picada-de-um-alfinete)
13. As touradas geram postos de trabalho?
O número de pessoas que têm nas touradas a sua ocupação principal é insignificante, se é que alguém vive exclusivamente desta atividade em Portugal. Vejamos:
Os artistas tauromáquicos têm outras atividades profissionais principais, dedicando-se ao toureio apenas por razões emocionais. Alguns cavaleiros tauromáquicos admitem até, que chegam a pagar para tourear. Os cavaleiros, matadores, novilheiros e bandarilheiros não conseguem viver exclusivamente desta profissão, devido ao número cada vez mais reduzido de corridas e a redução do valor dos vencimentos pagos pelos empresários.
Os forcados são amadores e têm outras atividades profissionais.
Os criadores de touros não têm rendimento suficiente para sobreviver e a criação de gado bravo não é a sua produção principal, algo que os próprios admitem publicamente.
Os empresários tauromáquicos não organizam corridas suficientes para conseguir viver exclusivamente das touradas, sendo muito reduzido o número de empresários que consegue um bom rendimento da atividade.
Os maiorais e campinos dedicam-se a outro tipo de atividades nas explorações pecuárias e não, exclusivamente, aos touros de lide.
Os emboladores (que fabricam bandarilhas e as embolas1) podem ser os mais afetados, mas o seu número é cada vez mais reduzido em Portugal, não chegando a uma dezena.
Os recentes casos de Viana do Castelo e Póvoa de Varzim, que baniram as touradas do seu território, são o exemplo claro de que as praças de touros não geram emprego. O fim das touradas nestes dois concelhos não extinguiu um único posto de trabalho, e a requalificação das praças de touros (que só abriam 2 vezes por ano para receber touradas) vai criar dezenas de novos postos de trabalho nestas cidades.
Existem vários exemplos que demonstram a farsa do argumento dos postos de trabalho associados à atividade tauromáquica. Em 2010, a empresa tauromáquica “Toiros & Arena” (entretanto extinta) anunciou “a satisfação e a importância que tem uma empresa taurina, pois conseguimos criar mais de 200 postos de trabalho durante o ano de 2010”2. No entanto, esta empresa organizou apenas 5 touradas nesse ano, pelo que é impossível que tenha criado tantos postos de trabalho.
Saber mais aqui.
14. A maioria dos portugueses gosta de touradas?
Não. Muitos portugueses, por não terem qualquer ligação com a tradição tauromáquica, são indiferentes ao tema. Dados recentes demonstram que a maioria dos portugueses não gostam de touradas e as estatísticas do INE indicam isso mesmo: 97,3% da população portuguesa não assistiu a touradas em 20193.
Um artigo publicado na revista científica “Animals“, revela que 67% da população portuguesa considera que as touradas não devem ser permitidas. Apenas 30,3% consideram que as touradas devem ser mantidas e 2,8% dos inquiridos neste estudo, não responderam à questão.
Em junho de 2021, uma sondagem indicou que 72% dos portugueses não concordam com a transmissão de touradas na televisão (RTP)4. Os dados do Barómetro CMTV5 referem ainda que quase metade dos portugueses, não só não acham bem que a RTP transmita touradas, como defendem a sua proibição (45%).
Uma sondagem da Universidade Católica6 realizada em Lisboa em 2018, revelou que:
- 89% da população nunca assistiu a touradas no Campo Pequeno desde a sua reabertura;
- 75% da população não concorda com a utilização de fundos públicos para financiar as touradas;
- 69% não concorda com a promoção de touradas em Lisboa pela Casa Pia;
- 96% Concorda com a realização de outro tipo de espetáculos (que não touradas) na praça de Lisboa.
Como sabemos, a Federação Prótoiro tem divulgado “sondagens” que – alegadamente – indicam que a maioria dos portugueses é contra a proibição das touradas. No entanto, é preciso olhar com muita atenção para a forma como as ditas sondagens foram efetuadas:
- A sondagem realizada pela Eurosondagem em 2011 (para a Federação Prótoiro) diz que muitos portugueses são a favor das touradas, no entanto, a sondagem não é clara nem credível, uma vez que o referido estudo começa por questionar os inquiridos se concordam com a realização de “atividades com toiros”, e não, especificamente com “touradas“. Além disso, as pessoas que não mostram simpatia pelas tais “atividades com toiros” são imediatamente excluídas. As restantes perguntas só foram respondidas por quem simpatiza com a atividade!
- Mais recentemente (2020) foi apresentada outra “sondagem” da Eurosondagem para a Prótoiro que – supostamente – diz que 86,7% dos portugueses não são contra as touradas. A afirmação foi difundida pela comunicação social sem que se conheça a forma como foi obtido este número. Até ao dia de hoje, não foi apresentado este estudo nem a forma como foi realizado, nem sequer a ficha técnica completa do mesmo como determina a legislação. Assim, não é possível verificar a veracidade da informação nem a forma como os dados foram obtidos, pelo que esta informação não tem credibilidade.
15. Há cada vez mais portugueses contra as touradas?
Sim. As touradas estão a perder cada vez mais terreno em Portugal. É evidente o decréscimo de espectadores que assistem a touradas nos últimos 10 anos. As próprias estimativas da IGAC (que, escandalosamente, confia nos números enviados pelos próprios aficionados) indicam que as touradas perderam quase 50% do público entre 2008 e 2018 (698.142 espectadores em 2008 e 379.000 em 2018) e atingiram o recorde mínimo de touradas realizadas em Portugal no ano de 2018, abaixo das 200 touradas por ano (173 touradas realizadas).
No entanto, o número de pessoas que assistem a touradas é bastante inferior ao divulgado pela IGAC. Nos últimos anos o Instituto Nacional de Estatística (INE) contabilizou o público das touradas, tendo fixado esse valor em 283.592 em 2019 e 62.446 em 20207. Infelizmente o INE não contabilizou o público das touradas entre os anos de 2011 e 2017.
O declínio da tauromaquia é o reflexo de uma sociedade onde ganha cada vez mais importância o respeito e a afinidade pelos animais, valores que são acompanhados de medidas legislativas que colocam a tauromaquia num plano cada vez mais marginal à evolução civilizacional.
16. As touradas atraem turistas?
Não. São poucos os turistas que decidem assistir a touradas, e a maioria deles acredita que vai assistir a um espetáculo diferente da tourada espanhola, sem sangue e sem crueldade com os animais.
Alguns destes turistas, quando se apercebem que a realidade é bem diferente e que a tourada portuguesa é bastante cruel e sangrenta, abandonam a praça de touros chocados.
Um grupo de ativistas registou em vídeo o testemunho de alguns turistas à saída da praça de touros de Albufeira (Algarve), confirmando esta realidade. Alguns deles saíam em lágrimas do recinto. A praça de touros de Albufeira acabou por encerrar.
Todas as sondagens indicam que as touradas têm uma opinião muito desfavorável nos países onde a tradição já não existe. Em Inglaterra, por exemplo, uma sondagem realizada em 2017 indicou que 80% da população considera as touradas inaceitáveis e concorda que devem ser abolidas.
No nosso país, algum público aficionado considera a “tourada à portuguesa” uma fraude e um desvirtuar da verdadeira essência da lide, pelo facto dos touros serem “embolados” e mantidos vivos no final.
Na vizinha Espanha isso é ainda mais evidente, pelo que muitos aficionados portugueses deslocam-se a Espanha para assistir a corridas de touros, mas não há registo de aficionados espanhóis que venham a Portugal assistir à “tourada à portuguesa”.
16. Porque é que a maioria das praças são das Misericórdias?
Com a abolição das touradas em 1836, a Casa Pia de Lisboa e as Misericórdias fizeram imensa pressão junto do poder político no sentido de retroceder na decisão da proibir as touradas em Portugal, e fazer com que elas fossem novamente autorizadas apenas para fins de beneficência, colocando em observância o Decreto que tinha sido aprovado em setembro de 1821.
Assim, as touradas realizadas na cidade de Lisboa passaram a reverter financeiramente para a Casa Pia e as restantes, realizadas noutros pontos do país, para as Misericórdias conforme ficou expresso no Diário do Governo numa Carta de Lei promulgada a 21 de agosto de 1887:
“Artigo 1º – As corridas de touros que tiverem lugar em Lisboa, e que não forem gratuitas, somente poderão ser dadas pela Casa Pia da mesma cidade.
Artigo 2º – Em qualquer outra terra do Reino onde o referido espetáculo produzir rendimento liquido, será este aplicado em benefício das Misericórdias, ou de qualquer outro estabelecimento Pio do respetivo concelho.”
Desta forma, as Misericórdias construíram várias praças de touros no Ribatejo e interior do Alentejo, que ainda hoje são propriedade destas instituições.
Notas:
- Proteção em couro que é colocada nos cornos dos touros. ↩︎
- http://diariotaurino.blogspot.com/2010/11/toiros-arena-faz-balanco-e-diz-que.html ↩︎
- Vários aficionados/as deslocam-se a várias praças para assistir a touradas ao longo do ano, o que faz com que o número de portugueses que assistem a touradas possa ser muito menor. ↩︎
- https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/media/detalhe/mais-de-70-dos-portugueses-estao-contra-as-touradas-na-rtp ↩︎
- https://cdn.cmjornal.pt/files/2021-06/2021-06-25_00_26_21_barometro_touradas_rtp.pdf ↩︎
- https://basta.pt/wp-content/uploads/sondagem-touradas-universidade-catolica.pdf ↩︎
- Ano afetado pelas medidas de combate à pandemia de COVID 19, com restrições impostas ao setor dos espetáculos, que fez diminuir o número de touradas realizadas. ↩︎
A História das touradas em Portugal
Como surgiram as touradas e porque é que se conseguiram manter até aos nossos dias?
Touradas no Porto
Uma história exemplar de evolução civilizacional.
Como é uma tourada em Portugal?
Sabias que em Portugal, os animais são sujeitos a um sofrimento bastante mais prolongado do quem em Espanha? Não é verdade que a “tourada à portuguesa” seja menos cruel.
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