Carlos Testa foi primeiro professor de Direito Internacional Marítimo na Escola Naval, deputado do Partido Regenerador eleito pelos círculos de Alenquer (1868-1869), de Seia (1875-1878) e em 1887 foi eleito par do reino por Beja tendo apresentado um projeto de abolição das touradas em 1888.
Dezanove anos depois de Joaquim Alves Mateus ter apelado ao fim das touradas (1869), no final do período conhecido como “Fontismo” e pouco depois da abolição da escravatura em todo o Império português (25 de fevereiro de 1869) foi apresentado um novo projeto com vista à abolição das touradas em Portugal, numa altura em que, sendo de pouco entusiasmo ao nível artístico, se promovia a expansão do espetáculo tauromáquico para outras paragens fora da capital.
A abertura do primeiro troço da linha de caminho-de-ferro do Norte entre Lisboa e o Carregado, inaugurada em 1856, criou condições para a expansão da atividade tauromáquica para as localidades do Ribatejo onde se fazia a criação de gado bravo, mas Lisboa estava sem o divertimento das touradas com o encerramento da Praça do Campo Santana por falta de condições de segurança.
Carlos Testa decidiu apresentar um Projeto de Lei que previa o fim das touradas de uma forma gradual numa altura em que o país já era governado pelos progressistas:
“Em 1869 outro projeto foi apresentado na Câmara dos senhores deputados pelo dr. Joaquim Alves Matheus, acompanhado da assinatura de mais dezassete deputados, entre os quais se contavam os exmos. srs. Henrique de Barros Gomes e Henrique de Macedo, atuais ministros da coroa. Ainda em 1870, cinco srs. deputados formularam a renovação daquele projeto de lei, mas, como nas anteriores ocasiões, devido a circunstancias fortuitas, não lograram tais projetos seguir seus tramites até serem convertidos em lei. Talvez que o modo explicitamente peremptório como tais projetos eram formulados para produzir imediato resultado, desse causa ás oposições que lograram obstar-lhes, a titulo de vir subitamente prejudicar certos interesses individuais, como se estes devessem prevalecer a outros de ordem superior. Mas se tal pode ser o pretexto uma vez invocado, não poderá ele ser aceitável quando se recorrer a um modo menos peremptório mas conducente gradualmente ao mesmo fim, dentro de um limitado prazo”.
O Deputado tinha consciência que se começavam a fundar estruturas sólidas para o desenvolvimento do negócio tauromáquico, ao mesmo tempo que avançava a construção do caminho-de-ferro. “O progresso acompanhado de retrocesso”, assim o classificou, tendo em conta que ao lado da linha que percorria o vale do Tejo, iam surgindo também novas praças de touros, o que se compreende.
Os animais começaram nesta altura a ser transportados de comboio para as praças de touros o que facilitava a organização dos espetáculos. O argumento da tradição já era nesta altura usado pelos defensores da tourada, remontando ao tempo das lutas de cavaleiros com as feras, para quem as touradas conservavam a raça, o valor e agilidade dos portugueses.
Contrariando estes argumentos, Carlos Testa lembrou as raízes profundamente espanholas da tradição tauromáquica: “Este divertimento a que se chama nacional e que é tanto nacional que tem toda a sua fraseologia em castelhano, que é tanto nacional que os próprios trajes adoptados pelos seus atores são semelhantes aos que empregam os toureiros da nação vizinha (…)”
A proposta apresentada por Carlos Testa era a seguinte:
“Projecto de Lei n.° 125
Art. 1.° A contar da data da presente lei, não será permitida a construção de novos circos ou praças, nem a reconstrução das já existentes, apropriadas ou destinadas a espetáculos de corridas de touros.
Art. 2.° Dois anos depois de vigorar a disposição do artigo antecedente ficarão proibidos os espectáculos de tal natureza, debaixo de qualquer denominação ou pretexto.
Art. 3.° Fica revogada qualquer legislação em contrario.
Camara dos Dignos Pares do Reino, em 25 de janeiro 1888. = Carlos Testa.”
Passados dois meses da apresentação do projeto, Carlos Testa ainda questionou o Presidente da Câmara dos Dignos Pares do Reino, António José de Barros e Sá, sobre o parecer da Comissão de Administração Pública, tendo este garantido que iria solicitar aos membros da dita Comissão para que “tivessem a bondade de, quanto antes, se ocuparem da matéria de que tratava o mesmo projeto”.
Entretanto já a Sociedade Protetora dos Animais (S.P.A.), recentemente constituída, tinha iniciado a sua atividade na defesa dos animais, tendo como prioridade a contestação às bárbaras touradas, pedindo à Câmara que fosse aprovado o Projecto de lei de Carlos Testa.
Alguns dias mais tarde, o deputado voltou a intervir na Câmara dos Pares do Reino apresentando um requerimento onde questionava o Ministério do reino sobre o número de circos ou praças destinadas às touradas existentes em Portugal, quantas estavam na altura em construção, bem como o numero de licenças requeridas para a construção de novos recintos e em que localidades, comprovando o período de expansão da atividade tauromáquica que se verificou na segunda metade do século XIX.
A intervenção foi motivada pela indignação do deputado perante as notícias que davam conta do levantamento de uma grande praça de touros na Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia, num terreno dentro da área da fortaleza, por indicação do Ministério da Guerra, contra a vontade do próprio Governador da Fortaleza. As touradas chegavam ao Porto, mas não por muito tempo.
A insistência do deputado e o cada vez mais comprometedor silêncio da Comissão de Administração Pública era já notícia na imprensa o que aumentou a indignação de Carlos Testa: “É certo que esta questão tem sido largamente discutida na imprensa. (…) tendo a honra de ser membro do parlamento, não posso nem tenho a pretensão de afirmar que o meu projeto há-de ser aprovado ou rejeitado, não compreendo qual possa ser a plausibilidade com que alguns jornais asseguram desde já que ele será rejeitado, e nesse sentido parece que se arrogam um direito que só pertence a outras instâncias”.
A 14 de Junho de 1888, Carlos Testa continuava sem resposta à sua proposta e sem qualquer explicação para esse facto, o que o levou a fazer duras considerações em sessão da Câmara de Pares, lembrando um artigo de Sá da Bandeira onde foram feitas críticas ferozes à tauromaquia e um apelo à imprensa para que a combatesse com toda a energia e perseverança:
“Fiz este requerimento para melhor poder apreciar a historia d’este desenvolvimento tauromáquico, que se vai alastrando por todo o país, passado meio século desde que o liberal ministro Manuel da Silva Passos lhe havia posto fim. (…)
Mas também me enganei noutros pontos, porquanto cheguei a supor que o nosso estado de civilização estivesse mais adiantado; mas vejo pelo contrário que esta questão se tem discutido na imprensa, de forma a desmentir, em grande parte, as ideias do ilustre Marques de Sá da Bandeira, daquele benemérito homem de estado, e valente militar, que dizia, que o dever da imprensa era usar de toda a energia e perseverança, no empenho de acabar com uma prática, que ele bem classificava, de distração feroz, e imprópria de um povo civilizado.
Vejo portanto que me enganei nesta parte, bem como quando supus que a minha iniciativa individual tinha direito a uma solução. Hoje vejo que é fácil a gente enganar-se. Eu supunha que a iniciativa individual de qualquer membro desta câmara tivesse algum valor”.
A proposta de Carlos Testa visava travar a consolidação das estruturas de um negócio que, mais de 120 anos depois, ainda perdura na sociedade portuguesa, contestado e apoiado com os mesmos argumentos usados pelo deputado.
Em junho de 1889, Carlos Testa ainda não se conformava com o esquecimento do projeto que apresentou e voltou a levantar o assunto na Câmara dos Pares do Reino, salientando que ao contrário de outras propostas anteriormente apresentadas, ele não pedia que fosse decretada a abolição das touradas mas sim, a simples proibição de construção de novas praças de touros em Portugal, embora a sua proposta previsse a proibição das touradas ao fim de dois anos. Numa altura em que a participação dos forcados estava proibida pelos riscos que as pegas representavam, Carlos Testa ameaçava:
“Eu pela minha parte declaro que enquanto existir uma praça de touros em Portugal, não voto medida nenhuma contrária à plena liberdade de comércio de cereais, e que tenda a auxiliar os ricos lavradores ou criadores de gado destinado ao toureio, e não voto ainda porque se a agricultura me merece desvelos, não menos os merece o povo, que não pode pagar o pão mais caro”. O argumento patriota para defender as touradas como tradição nacional, também não passou despercebido ao discurso do inflamado deputado: “a mania tauromáquica vai ao ponto de darmos foros de nacionalidade a termos castelhanos que se empregam nas touradas e em tudo o que lhes respeita, como diestros, ganaderia, aficionados e tantos outros”.
Estas considerações surgem numa altura em de facto as touradas tinham como protagonistas os “espadas” espanhóis que se tornaram moda no Campo Pequeno (Lisboa) e na praça de touros de Algés. Durante muitos anos, sem uma identidade própria, os matadores de touros espanhóis atuavam isolados e faziam-se acompanhar dos seus picadores.
A crueldade dos espetáculos tauromáquicos já levantava valores que começavam a ganhar algum peso na sociedade mais intelectual, como a proteção aos animais.
Carlos Testa recordou, precisamente, que em Portugal já estava em vigor a chamada “lei Grammont”, que previa penas pesadas para os maus tratos a animais domésticos: “eu não sei se os touros são animais domésticos, mas o princípio consagrado e moralmente considerado, não pode deixar de ser interpretado como referência à generalidade.”.
Numa altura em que Portugal vivia uma grande instabilidade política e profundas mudanças sociais com o fracasso do reformismo liberal, as touradas eram um mal menor e sem grande expressão na sociedade portuguesa.
A notável insistência de Carlos Testa na abolição das touradas acabaria esquecida com a subida ao trono do Rei Carlos I (outubro de 1889), sem que a proposta fosse discutida ou apreciada pelas respectivas Comissões a quem foi pedido parecer.
Enquanto isso, a atividade tauromáquica expandia-se pelo país, sem que o espetáculo fosse regulado pela autoridade, mantendo-se as determinações anteriores de 1837 que obrigavam à obtenção de licenças para a sua realização e que o rendimento financeiro do divertimento fosse utilizado em obras de caridade.
Curiosamente, nos nossos dias a rua onde se situa a sede da Sociedade Protetora dos Animais em Lisboa, tem o nome de Carlos Testa.
Fontes: Diário da Câmara dos Pares do Reino (1842-1910)