História das touradas em Portugal

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5. As touradas e a escravatura

Como já foi referido, durante muitos anos, as touradas incluíam distrações nos intervalos para entreter o público e como forma de atrair pessoas às praças. Por vezes, esses divertimentos extra eram anunciados como uma “surpresa” e, a maior parte das vezes, tratavam-se de práticas bastante bárbaras e desumanas que envolviam outros animais (incluindo gatos, cães ou cabritos), mas também seres humanos, normalmente escravos das colónias portuguesas, forçados a representar cenas pouco dignas da condição humana num espetáculo público.

Escravos em touradas.
Escravos em tourada no século XVI.

Desde o século XVI que era recorrente a utilização dos escravos nestes intervalos, como forma de divertir o público e como um chamariz exótico para as corridas de touros. Isto continuou a ocorrer durante o século XIX, existindo vários registos destes divertimentos, alguns deles condenados pelo seu grau de violência e desumanidade, uma vez que os escravos eram largados na arena em frente aos touros, o que dava origem a colhidas com sangue e até mortes perante os risos e aplausos da plateia.

É o caso dos acontecimentos ocorridos na praça de touros da Nazaré, dos quais não existem muitos detalhes, mas que, segundo as crónicas da época terá sido semelhante a outros que aconteciam com alguma frequência noutras praças de touros do país.

No Diário do Governo no dia 1 de outubro de 1844, é referido um requerimento apresentado pelo Bispo de Elvas, onde é descrito este episódio e a sua relação com a escravatura, pedindo que o Governo intercedesse para que não se voltasse a repetir: “Asseverando-se que no dia 14 do corrente mês, durante uma corrida de touros , que houve na praça de lugar da Nazaré, alguns homens pretos foram ali tratados com extrema barbaridade; requeiro que se recomende ao Governo que preste particular atenção a tal ocorrência, e a que procedimentos semelhantes aos indicados, se não pratiquem para o futuro. (…) Que a maior parte dos Membros da Câmara saiba o que se praticava com estes infelizes nas praças de touros, onde eram tratados pior que os animais.”.

A intervenção prossegue com referência a uma rede de tráfico de escravos com origem em África e com destino ao Brasil, que passava por Portugal, exigindo que fosse investigada a origem destes seres humanos usados como diversão nas praças de touros.

Existem outros registos que demonstram que os negros eram usados nas praças de touros como encarregados da limpeza da arena e dos curros, mas também para entreter o público, principalmente a parir dos inícios do séc. XVIII quando passaram a exercer uma função recreativa, representando quadros cómicos destinados a divertir o público durante os intervalos das touradas.

Em 1760, por exemplo, o italiano José Baretti descreveu uma tourada realizada em Portugal onde “Um preto com uma capa na mão esperou intrepidamente um dos touros, e, quando ele abaixou as hastes para o ferir, o preto, leve como um pássaro, atirou‑se de um pulo à cabeça do bicho e, dando uma imperfeita cabriola sobre o dorso, saltou em baixo são e escorreito. Outro preto agarrou um touro pela ponta do lado esquerdo com a mão esquerda, e, arrastando com fúria pelo feroz animal, segurou a presa muito firme, ao passo que lhe ia dando com a direita muitas punhaladas na testa e nas ventas, e depois deixou‑se cair suavemente num canto da praça, sem receber o mínimo dano“.

A participação dos negros tornou‑se um número praticamente obrigatório nas corridas de touros realizadas em Lisboa. A propaganda a uma tourada realizada na Praça do Salitre no 17 de Setembro de 1820, informava que a arena seria limpa “pela Companhia da cor tostada”.

Os pretos em cavalinhos de pasta
“Os pretos em cavalinhos de pasta”, litografia de C. Legrand, séc. XIX, Museu da Cidade, Câmara Municipal de Lisboa (Henriques, 2009).

Nem sempre os escravos escapavam ilesos da “brincadeira” a que eram sujeitos e a desumanidade com que estas pessoas eram usadas nestes espetáculos não agradava a todos. Um dos números era chamado de “pretos em cavalinhos de pasta” e consistia em colocar na arena um grupo de escravos para enfrentar o touro quando este se mostrava “preguiçoso”. Mesmo feridos pelas violentas investidas do animal, os escravos tinham que prosseguir o número.

Outro relato, indica que alguns negros (homens e mulheres) saltavam para a praça de touros vestidos de macacos, a agitar os rabos, enquanto outros, metidos em sacos tropeçavam e rolavam diante dos toiros fazendo‑os perder a paciência. Eram chamados os “intervaleiros”.

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