Tourada em Vila do Conde avança para tribunal

Perante a insistência do setor tauromáquico em realizar uma tourada no dia 23 de julho, numa praça de touros desmontável, no concelho de Vila do Conde onde não existe qualquer tradição tauromáquica, a Câmara Municipal indeferiu o licenciamento do recinto para a realização da uma corrida de touros.

A evolução civilizacional erradicou as touradas da região Norte. Setor tauromáquico não se conforma.

Os promotores instalaram a praça de touros desmontável num terreno privado na freguesia de Ferreiró, sem consultar a Câmara Municipal, alegando que a tourada serviria para homenagear as praças de touros de Viana do Castelo e Póvoa de Varzim, que deixaram de acolher touradas depois de anos de protestos da população.

Estes dois recintos funcionaram durante anos, com o apoio de fundos públicos das Câmaras Municipais, e permaneciam encerrados praticamente o ano inteiro, por isso, os autarcas decidiram reconverter aqueles espaços em recintos multiusos para a prática desportiva e eventos culturais, abertos o ano inteiro, alegando a natural evolução civilizacional da sociedade.

Vila do Conde
Cidade de Vila do Conde

Inconformados com isto, os agentes tauromáquicos decidiram realizar esta provocação num concelho sem qualquer tradição tauromáquica. O promotor da tourada de Vila do Conde é um empresário tauromáquico das Caldas da Rainha que já foi presidente da Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos (APET), Paulo Pessoa de Carvalho.

Setor tauromáquico acusa a Câmara de “sabotagem”

Agora acusam a Câmara de Vila do Conde de “tentativa de sabotagem política” e de estar a violar a lei, ao proibir a realização deste espetáculo.

Repudiamos a tentativa de sabotagem política do exercício de um direito e de uma liberdade, que é o direito de uma pessoa coletiva promover espetáculos e a liberdade do público poder aceder ao espetáculo (…) Desconhecemos se o município socialista de Vila do Conde tem leis próprias“, frisam os promotores da tourada em comunicado.

A mesma estratégia de impor a tradição tauromáquica já tinha sido utilizada, sem sucesso, em Viana do Castelo, onde durante alguns anos foram promovidas touradas numa praça de touros desmontável. Para garantir a presença de público, os promotores recorrem a excursões de autocarro, trazendo público de regiões onde a tradição ainda tem raízes. Perante os inúmeros protestos da população, acabaram por desistir de investir em Viana, movendo-se agora para Vila do Conde.

Licenciamento compete à Câmara e à IGAC

Recorde-se que o licenciamento do espetáculo não cabe à Câmara Municipal, mas sim, à Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC). À autarquia compete apenas o licenciamento do recinto, neste caso, a praça de touros desmontável. Avaliando o processo, a Câmara indeferiu a utilização da praça de touros, por violar as “normas legais e regulamentares” relacionadas com a localização da praça de touros desmontável, segundo informação publicada na imprensa.

A Câmara de Vila do Conde alegou ainda que as vias envolventes de acesso ao local “não têm largura suficiente para estacionamento ou para o acesso de um veículo de emergência” evocando ainda o “estado de contingência de perigo de incêndios” em virtude da existência de obras nas imediações.

Neste sentido, e tendo em conta que a praça de touros já estava montada, a Câmara de Vila do Conde concedeu 48 horas aos promotores para desmontar a arena, algo que não foi respeitado.

Touradas não estão protegidas pela Constituição

A tourada em Vila do Conde é apoiada por uma associação designada “Juntos pelo Mundo Rural”, cujo presidente referiu à imprensa que a tauromaquia está “devidamente protegida na Constituição Portuguesa“, um argumento que tem sido sistematicamente usado pelos defensores das touradas, mas que é absolutamente falso.

Aliás, vários constitucionalistas já deixaram bem claro que proibir as touradas não é inconstitucional, como é o caso do reputado constitucionalista Jorge Miranda. O especialista em Direito Constitucional, referiu recentemente ao Polígrafo que “não é matéria reservada a nenhum órgão, nem a Constituição proíbe que existam ou não existam touradas”, assegurando que “há completa liberdade do legislador nesta matéria”. Jorge Miranda acrescentou que não vê “qualquer problema de constitucionalidade nem no sentido de proibir, nem no sentido de permitir” as touradas.

População manifesta-se contra a tourada

Perante a insistência de realizar esta tourada em Vila do Conde, estão já agendadas duas manifestações na cidade contra a realização deste evento, convocadas pela “Ação Direta Portugal” e a “Vila do Conde Animal Save“.

O repúdio e inconformismo da população com esta tentativa de imposição de um espetáculo violento e que não reúne consenso na sociedade, e a possibilidade da ocorrência de conflitos que coloquem em causa a ordem pública, é outro dos argumentos evocado pela autarquia no indeferimento do licenciamento do recinto.

Em Viana do Castelo, a realização de touradas em praças desmontáveis motivou várias manifestações e a mobilização de um número significativo de forças de segurança para impedir confrontos entre ambas as partes.