CPCJ autoriza criança a tourear em duas touradas em Portugal

Uma criança de apenas 15 anos foi autorizada a participar como cavaleiro tauromáquico numa tourada realizada na praça de touros de Reguengos de Monsaraz, no passado dia 15 de agosto.

A atuação desta criança numa tourada foi previamente denunciada à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC) e Ministérios da Cultura e do Trabalho e Segurança Social pela ANIETIC/Basta de Touradas.

A única entidade a responder à denúncia (já depois da atuação da criança) foi a IGAC, informando que a autorização excecional para a participação da criança foi emitida pela CPCJ de Álter do Chão.

A plataforma Basta de Touradas considera grave que as delegações locais da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) continuem a conceder autorizações especiais para que crianças coloquem em risco a sua vida em espetáculos tauromáquicos, violando a legislação atualmente em vigor, bem como a Convenção dos Direitos da Criança subscrita pelo nosso país.

Recorde-se que a legislação determina que os artistas tauromáquicos devem ter a idade mínima de 16 anos e que a lei prevê a emissão de autorizações pela CPCJ nos casos em que as crianças participem em espetáculos com animais que não possam colocar em risco a sua saúde e integridade física, o que não é, claramente, o caso dos espetáculos tauromáquicos onde existe um risco elevado de acidentes.

Além de nada fazer para regular as “escolas de toureio”, de ter ignorado a morte de uma criança de 15 anos numa largada de touros na Moita em maio de 2022, a CPCJ concedeu agora uma autorização especial ao filho do toureiro João Moura, com apenas 15 anos, para participar em touradas, contrariando a legislação em vigor, interpretando que as touradas não são uma atividade de risco para os menores de idade.

Dias mais tarde, foi novamente anunciada a atuação da mesma criança numa tourada, a realizar no dia 2 de setembro na praça de touros de Portalegre. Mais uma vez, a Basta de Touradas denunciou a questão às autoridades solicitando a sua intervenção na defesa do superior interesse da criança.

Desta vez, nenhuma das entidades respondeu à denuncia, tendo a criança atuado no referido espetáculos tauromáquico.

Desta forma, este jovem cavaleiro de apenas 15 anos, atuou em 2 corridas de touros, lidando animais de raça brava com mais de 400 kg, com o aval da Comissão que tem por missão a “promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens“.

A mesma Comissão que foi alertada e instada pelo Comité dos Direitos da Criança em Genebra, em setembro de 2019, durante a avaliação de Portugal, a agir na defesa do superior interesse das crianças perante a violência da tauromaquia. O Comité, mostrou-se perplexo perante a existência desta “autorização especial” concedida pela CPCJ para que as crianças coloquem a sua vida em risco em espetáculos tauromáquicos, tendo sublinhado que isso não podia continuar a ser permitido.

Desta forma, no relatório final de avaliação do nosso país, o Comité declarou que Portugal deve “estabelecer a idade mínima para participação e assistência em touradas e largadas de touros, inclusive em escolas de toureio, em 18 anos, sem exceção, e sensibilizar os funcionários do Estado, a imprensa e a população em geral sobre efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores, da violência associada às touradas e largadas de touros“.

Criança atuou como cavaleiro tauromáquico
Tomás Moura – Cavaleiro tauromáquico

Há uma interpretação errada da lei

A Lei nº 105/2009 de 14 de setembro, que regulamenta o Código do Trabalho, prevê especialmente que os menores de 16 anos não podem participar em espetáculo que envolva “contacto com animal, substância ou atividade perigosa que possa constituir risco para a segurança ou a saúde do menor.“ (nº 2 do Artigo 2º).

A mesma lei, que tem sido mal interpretada, estabelece no número seguinte que Sem prejuízo do previsto no número anterior, o menor só pode participar em espetáculos que envolvam animais desde que tenha pelo menos 12 anos e a sua atividade, incluindo os respetivos ensaios, decorra sob a vigilância de um dos progenitores, representante legal ou irmão maior” (nº 3 do citado artigo). Esta situação jamais pode ser aplicada à tauromaquia, porque é consensual que nos espetáculos tauromáquicos, os artistas enfrentam animais que constituem risco para a sua saúde e segurança, facto que dá origem a acidentes muito graves com feridos e até mortes.

Em 2015 foi aprovada a Lei n.º 31/2015, de 23 de abril, que “estabelece o regime de acesso e exercício da atividade de artista tauromáquico e de auxiliar de espetáculo tauromáquico”, determinando que “Os artistas tauromáquicos e os auxiliares devem ter a idade mínima de 16 anos” (nº 3 do artigo 3º).
No entanto, e com o objetivo de permitir a atuação de crianças, esta lei abre uma exceção para as categorias “amadoras” e para os “forcados” (a categoria mais perigosa), remetendo a participação de crianças nestas categorias para uma autorização especial da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) ao abrigo do estabelecido na Lei nº 105/2009 de 14 de setembro, ignorando totalmente o superior interesse da criança e os riscos desta atividade.

De qualquer forma a Lei nº 105/2009 de 14 de setembro não prevê a emissão de autorização especial para atividades tauromáquicas, se partirmos do princípio que estas constituem risco para a saúde e segurança das crianças.

Desta forma, não há fundamento legal para a autorização concedida ao filho de João Moura. A CPCJ está a prestar um péssimo serviço na defesa dos interesses das crianças, colocando-se ao lado dos interesses tauromáquicos.

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