Presidente da República atribuiu a medalha de Membro-Honorário da Ordem de Mérito aos forcados de Santarém.
Representante do grupo de forcados afirmou na véspera, que se pudesse, eliminava o 25 de abril.
Entrevista foi censurada e eliminada da página do Correio do Ribatejo quando rebentou a polémica.
No passado dia 23 de julho de 2015, o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, decidiu atribuir a medalha de Membro-Honorário da Ordem do Mérito aos Forcados Amadores de Santarém, durante uma corrida de touros realizada na praça de touros do Campo Pequeno.
“Se pudesse apagava a revolução do 25 de abril”
A condecoração foi motivada pela comemoração do centenário deste Grupo de Forcados, apesar de ninguém saber ao certo a data em que este grupo foi efetivamente formado. A própria organização que representa o setor (Associação Nacional de Grupos de Forcados) não confirma a antiguidade deste grupo de forcados, mas o jornal “Correio do Ribatejo, a propósito desta polémica, garante que “há a absoluta certeza de que em Agosto de 1915 se fez anunciar e pegou em Almeirim o Grupo de Forcados Amadores de Santarém, que a partir de então se manteve em constante atividade”.
Esta condecoração gerou muito desconforto, não só pelo facto das touradas não reunirem consenso na sociedade portuguesa e serem cada vez mais contestadas e associadas a episódios bastante violentos, mas principalmente pelas declarações à imprensa do “cabo” do Grupo de Forcados Amadores de Santarém (o representante do grupo), na véspera da atribuição da Medalha pelo Presidente da República.
O jornal “Correio do Ribatejo” entrevistou o responsável pelos forcados de Santarém a propósito desta importante condecoração, e uma das perguntas que o jornalista colocou a Diogo Sepúlveda, foi se este alterava algum facto da história de Portugal? A resposta do forcado foi esta: “Apagava a revolução do 25 de Abril“.
A publicação destas polémicas declarações do Cabo dos Forcados de Santarém na véspera de receber uma condecoração pela mais alta figura do Estado Democrático, causou arrepios, e a entrevista acabou por ser censurada, e rapidamente eliminada da versão online do jornal (ver excerto em baixo).
Curiosamente, Cavaco Silva acabou por não estar presente na praça de touros do Campo Pequeno, para a cerimónia, fazendo-se representar por Luís Valente de Oliveira (Chanceler das Ordens Nacionais) que entregou a medalha ao cabo dos Forcados Amadores de Santarém.
Não foi a primeira vez que o Grupo de Forcados Amadores de Santarém foram alvo de condecoração do Estado. Durante a ditadura do Estado Novo, o grupo recebeu a medalha de Oficial da Ordem de Mérito em 1965, atribuída pelo Presidente Américo Thomaz, no seu alegado 50º aniversário.
Anos mais tarde, Mário Soares não deixou passar em branco os 75 anos do grupo, atribuindo aos forcados de Santarém a medalha de Membro-Honorário da Ordem do Infante D. Henrique. A distinção foi entregue em 1990.
O facto do Grupo de Forcados Amadores de Santarém ter sido criado em 1915 é assunto envolto em alguma polémica e não há registos oficiais que demonstrem esta antiguidade, ou que provem que este grupo amador se manteve no ativo desde essa data. Aliás, o facto é mais estranho porque só algumas décadas mais tarde é que os chamados “forcados amadores” começaram a atuar nas touradas portuguesas e, na verdade, só em 1953 é que a participação de forcados em touradas foi reconhecida no regulamento tauromáquico.
Após a implantação da República instalou-se uma enorme hostilidade contra a tauromaquia, atividade associada à monarquia e a classes fidalgas e conservadoras. Nessa altura, predominavam os grupos de forcados profissionais, que eram jovens humildes e de classes sociais muito baixas que eram contratados por alguns empresários, a troco de pouco dinheiro, para entreter o público nos intervalos da tourada.
O ex-forcado e ganadeiro Joaquim Grave classificou, no seu livro sobre os forcados, de decadente a sua prestação e apresentação nas arenas, não só pelo desleixo nos uniformes mas também porque alguns membros, já muito calejados das cornadas, usavam uma espécie de almofada debaixo da roupa para proteger a barriga do impacto dos touros. Só nas décadas de 40, 50 e 60 é que os grupos de focados amadores substituíram os forcados profissionais.
A condecoração do Grupo de Forcados de Santarém pelo Estado, é um incentivo à crueldade e à violência contra os animais. Sem esquecer que a categoria de forcado é a mais perigosa e a que dá origem a acidentes mais violentos com feridos graves e até mortes.
O Estado devia abster-se de promover este tipo de violência e privilegiar instituições que dignifiquem os valores e princípios da sociedade e que honrem a imagem do nosso país. A Ordem do Mérito destina-se a galardoar “atos ou serviços meritórios praticados no exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas, que revelem abnegação em favor da coletividade“1.
Esta condecoração, depois das deploráveis declarações do cabo dos forcados de Santarém (que nunca retificou ou pediu desculpas pelas declarações proferidas na entrevista), é um atentado à nossa democracia e aos valores humanos e civilizacionais.
1. Ordens Honoríficas Portuguesas, https://www.ordens.presidencia.pt/?idc=187
Fontes:
Correio do Ribatejo
Jornal Público: https://www.publico.pt/2015/07/30/p3/cronica/o-25-de-abril-ainda-nao-chegou-as-touradas-1823836