IGAC continua a subverter a realidade sobre o declínio das touradas em Portugal

IGAC ignora denúncias e autoriza touradas que não cumprem a legislação;

Estatísticas da IGAC não correspondem à realidade;

Ninguém se responsabiliza por mortes e feridos em touradas;

Durante a temporada tauromáquica de 2019, a Plataforma Basta de Touradas apresentou dezenas de denúncias à Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens, relacionadas com a promoção de espetáculos tauromáquicos em Portugal.

O balanço de mais uma temporada tauromáquica é bastante negativo tendo em conta a inércia das autoridades em fazer cumprir a legislação em matéria de bem estar animal, segurança e proteção das crianças e jovens deste tipo de violência.

A falta de cumprimento das normas de segurança e de bem estar animal, e a forma arcaica como a IGAC apura os dados estatísticos (com base em estimativas), ajudam a disfarçar e esconder o declínio da atividade tauromáquica em Portugal.

Como positivo o facto da Póvoa de Varzim ter abolido definitivamente as touradas no município, requalificando a praça de touros e criando desta forma dezenas de novos postos de trabalho. Também registamos que os municípios de Vinhais, Alvaiázere, Golegã, Nisa, Pinhel e Seia, deixaram de receber touradas em 2019.

Touradas violam um dos principais tratados de Direitos Humanos

O ano de 2019 ficou ainda marcado pela clara e inequívoca declaração do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que a 27 de setembro de 2019 publicou o seu último relatório de avaliação do cumprimento da Convenção dos Direitos da Criança em Portugal, afirmando que “recomenda que o Estado Parte estabeleça a idade mínima para participação e assistência em touradas e largadas de touros, inclusive em escolas de toureio, em 18 anos, sem exceção, e sensibilize os funcionários do Estado, a imprensa e a população em geral sobre efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores, da violência associada às touradas e largadas”.

A exposição de crianças e jovens à violência das touradas constitui uma violação de um dos principais tratados de Direitos Humanos subscritos por Portugal, tendo o Comité incluído a violência das touradas no capítulo da “violência contra crianças” a par dos castigos corporais, exploração sexual e abuso e práticas prejudiciais.

Em 2019 um fotógrafo ficou sem o escalpe na trincheira da praça de touros da Moita, ao ser colhido por um touro num acidente violento testemunhado por dezenas de crianças, que alertou para os riscos da atividade e para a presença de crianças nas trincheiras e nas bancadas das praças de touros.

O Estado português já reconhece os efeitos nocivos das touradas, obrigando à inclusão (desde 2014) em todos os cartazes de promoção de touradas da advertência de que “o espectáculo pode ferir a suscetibilidade dos espectadores”. No entanto, continuam por explicar a morte de dois jovens forcados em 2017 e dezenas de outros acidentes em praças de touros, com artistas que não estavam cobertos por seguro de acidentes. A existência de seguro é uma das condições para a realização dos espetáculos tauromáquicos, pelo que é muito grave que ninguém seja responsabilizado.

Por estas razões, é da mais elementar justiça que esta atividade deixe de beneficiar de regalias por parte do Estado como a redução de IVA nos bilhetes ou a isenção de IVA para artistas tauromáquicos, além do apoio financeiro de milhões de euros de algumas Câmaras Municipais que sustentam este negócio e os milhões de euros da PAC (Política Agrícola Comum) que vão para os criadores de touros de lide.

IGAC fecha os olhos ao cumprimento da lei nas praças desmontáveis

A Plataforma Basta de Touradas regista com profundo desagrado que a IGAC e o Estado português continue a fechar os olhos à forma degradante e ilegal como são promovidas touradas em praças de touros desmontáveis, sem as mínimas condições de bem estar animal e de segurança dos próprios espectadores, com risco muito elevado de acidentes graves.

Apesar da legislação obrigar à existência nestes recintos de condições mínimas para alojar os touros utilizados no espectáculo (artigo 31º do Decreto-Lei n.º 89/2014 de 11 de junho), a Plataforma Basta de Touradas constatou no terreno que os promotores continuam a ignorar esta exigência, com a cumplicidade dos Delegados Técnicos Tauromáquicos designados pela IGAC e da DGAV, mantendo os animais nos camiões de transporte sem as mínimas condições de bem estar.

Nas praças desmontáveis os touros são descarregados do camião para a arena e, no final da lide, são puxados novamente para o interior do camião com uma corda amarrada à cabeça, puxada por uma retroescavadora ou um tractor no exterior da praça de touros. É dentro do compartimento do camião que o embolador arranca as bandarilhas dos animais, mantendo-os naquelas condições deploráveis até ao final da corrida, sem alimento ou água e sem qualquer tipo de assistência veterinária.

Ninguém sabe dizer ao certo qual o destino final destes animais, nem a própria DGAV, apesar de sabermos que a esmagadora maioria vão para abate em matadouro e que a carne dos animais “lidados” na arena entra na cadeia alimentar humana.

Em 2019 conseguimos provar que alguns touros lidados em espectáculos tauromáquicos licenciados pela IGAC, são aproveitados para as largadas de rua, o que demonstra a total falta de controle no cumprimento da lei e no destino dos animais utilizados nas touradas realizadas em Portugal, situação que coloca em causa a própria saúde pública.

Além disso, registamos a inaceitável lide de animais lesionados em Lisboa e nas Caldas da Rainha, que deviam ter sido recolhidos aos curros por ordem do Médico Veterinário – como determina o Regulamento (artigo 7º) – e não foram, sem que ninguém tenha sido responsabilizado por isso, quando o Regulamento determina (artigo 9º) que estes casos, implicam a “exclusão do corpo de Delegados Técnicos Tauromáquicos”.

A Plataforma Basta de Touradas denunciou ainda a ocorrência de vários espectáculos tauromáquicos ilegais, que não estão previstos no Regulamento, como “Recortadores” e “demonstrações de toureio“, sem que a IGAC tenha impedido a sua realização.

A IGAC mantém a mesma inércia em relação à grave situação que ocorre na praça de touros de Albufeira onde, no final dos espectáculos tauromáquicos autorizados pela IGAC, são largadas vacas na arena para serem enfrentadas pelo público, na sua maioria turistas ingleses, que ignoram os riscos desta “brincadeira” e que já deu origem a acidentes com turistas feridos, sem que ninguém assuma a responsabilidade pelo sucedido e sem que a IGAC intervenha para garantir o cumprimento da lei.

Dados do INE confirmam a falsidade das estatísticas da IGAC

A Plataforma Basta de Touradas regista como positivo, o facto do Instituto Nacional de Estatística ter decidido retomar a contabilização dos dados referentes à promoção de touradas em Portugal, demonstrando a falsidade dos números publicados pela IGAC com base em estimativas de público bastante inflacionadas e que distorcem a verdade sobre a simpatia dos portugueses pelo espectáculo tauromáquico.

Os dados oficiais indicam que as touradas estão em profundo declínio nos últimos 10 anos, tendo perdido cerca de 50% do seu público e atingindo o recorde mínimo de touradas realizadas no ano passado (173). Segundo os dados do INE, em 2018 assistiram a touradas no Continente 291.500 pessoas num total de 181 espectáculos tauromáquicos licenciados.

Saliente-se que cerca de 20% dos bilhetes foram oferecidos pelos promotores de touradas, e a Plataforma Basta de Touradas estima que mais de 20% tenham sido comprados por algumas Câmaras Municipais para oferecer a funcionários e população, como acontece, por exemplo, em Santarém e noutros municípios onde a tradição está mais enraizada.

Touradas são dos espetáculos com menos público em Portugal

Os dados do INE indicam que afinal as touradas são dos espetáculos com menos público em Portugal, atrás do circo (304.600 espectadores), dos espetáculos de dança (410.900 espectadores), folclore (573.300 espectadores), teatro (2.166.600), música (7.639.000) e cinema (14.776.600), segundo dados de 2018. As touradas só ficam à frente dos recitais de coros (188.800 espectadores) e da Ópera (36.600 espectadores), deitando por terra o velho argumento de que “as touradas são o espetáculo com mais público a seguir ao futebol”.

A Plataforma Basta de Touradas espera que o Governo não volte a ceder ao lobby da elite das touradas, avançando com o aumento do IVA para os espetáculos tauromáquicos e o aumento da classificação etária das touradas, ao encontro das determinações do Comité dos Direitos da Criança da ONU.

Por outro lado a Plataforma Basta de Touradas continuará a exigir da IGAC e da DGAV o escrupuloso cumprimento da legislação, e uma fiscalização isenta, responsabilizando quem coloque em causa a segurança e as regras de bem estar animal salvaguardadas na legislação.

Acreditamos num país sem touradas em que o negócio seja reconvertido em atividades saudáveis e que contribuam para o prestígio e bom nome do nosso país, criando riqueza e postos de trabalho.

Queremos fazer parte da solução deste grave problema da nossa sociedade e temos atrás de nós uma grande maioria da nossa sociedade que não se revê nesta tradição anacrónica e cruel.

Lisboa, 27 de dezembro de 2019

Plataforma Basta de Touradas