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Todos os anos a tauromaquia absorve cerca de 17 milhões de euros de apoios e subsídios públicos.
As touradas estão, desde a década de 90, ligadas à máquina dos fundos públicos.
Só da PAC, os criadores de touros recebem cerca de 15 milhões de euros anuais.
Última atualização: junho de 2022

“Neste momento, e mesmo para uma primeira figura, é difícil viver só dos toiros… E quem disser o contrário, digo-lhe já que não é verdade!”
Luís Rouxinol, Naturales 27/11/2012
A Plataforma Basta de Touradas realizou uma vasta investigação, através da consulta exaustiva das atas das reuniões de Câmara e dos orçamentos dos municípios com atividade taurina, contratos e ajustes diretos estabelecidos com associações e empresas tauromáquicas, informação sobre os fundos comunitários disponibilizados às ganadarias de touros de lide, criadores de cavalos de toureio, dados estatísticos e informação difundida na imprensa nacional, regional e local.
Este extenso trabalho resultou numa estimativa que indica que cerca de 16,99 milhões de euros são gastos todos os anos para apoiar a manutenção da atividade tauromáquica em Portugal.
A tauromaquia, além de ser responsável pelo maltrato, sofrimento e morte de milhares de animais todos os anos em Portugal, é uma atividade insustentável do ponto de vista financeiro, que só sobrevive graças aos subsídios e diversos apoios públicos disponibilizados pelo Estado e autarquias locais.
Longe do seu apogeu, que no nosso país se prolongou até inícios da década de 90, as touradas cativam cada vez menos público em Portugal e Espanha e a tendência mundial indica claramente o progressivo desaparecimento destas práticas.
Em Espanha as estatísticas indicam que o número de festejos e espetadores tem vindo a conhecer uma redução muito significativa nas últimas décadas. Entre 2007 e 2011 o numero de festejos taurinos diminuiu 37%1. Além disso, também a popularidade das touradas tem decrescido, já que apenas 8,5% dos espanhóis assistiram, pelo menos uma vez, a um festejo tauromáquico. Em Portugal, desde 2009 que o número de espetadores e de espetáculos realizados, tem vindo a diminuir. Entre 2001 e 2011 o número de touradas diminuiu 30,1% e os dados do INE indicam que a média de público também tem vindo a cair.
Um número crescente e maioritário de cidadãos portugueses, não aprova a realização de touradas no século XXI, pela violência associada ao espetáculo e acima de tudo pelo maltrato e sofrimento injustificado de milhares de animais, pelo que não é justo que estes cidadãos tenham que contribuir financeiramente para um espetáculo que está longe de ser consensual na sociedade.
- 580 € Pagou em 2009 cada família de Vila Fernando (Elvas) por uma praça de touros onde não há registo da realização de espetáculos tauromáquicos licenciados. A localidade tem 316 habitantes, a praça tem capacidade para 600 espetadores e custou 65.000€
- 133 € Pagou em 2011 cada família de Abiul (Pombal) pelas obras de manutenção da praça de touros local (60€ por habitante).
- 421 € Pagou em 2009 cada família de Vera Cruz (Portel) – por uma praça de touros onde nunca se realizou nenhuma tourada (163€ por habitante).
- 2.000.000€ Foram gastos na praça de touros de Estremoz que recebeu, em média, 2 touradas por ano na última década.
- 250.000€ Disponibilizou a Câmara de Angra do Heroísmo (Açores) para a organização de eventos taurinos nas festas Sanjoaninas em 2013, onde se incluiu uma largada de gado bravo para crianças.
Fontes: Base.gov.pt e Censos 2011.
Este facto já deu origem a diversas petições, campanhas e iniciativas parlamentares, exigindo o fim do financiamento público das touradas, sem que o poder político tenha coragem de fechar a torneira dos fundos públicos para esta atividade.
Sem o recurso aos dinheiros públicos atribuídos, principalmente pelas autarquias locais, não seria possível perpetuar a realização de touradas de praça em Portugal. Em Portugal existem menos de 60 praças de touros ativas que em média recebem 3 espetáculos por ano. Sem o recurso aos apoios públicos é impossível garantir a manutenção destes recintos que na esmagadora maioria dos casos só acolhem corridas de touros.
Os apoios das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia
O apoio das autarquias traduz-se na compra de bilhetes, redução de taxas e licenças, publicidade, oferta de prémios, aluguer de touros, manutenção e reabilitação das praças de touros, organização de touradas e festejos taurinos populares, subsídios a tertúlias, clubes taurinos grupos de forcados e a escolas de toureio bem como na organização de palestras e colóquios relacionados com as touradas.
O apoio disponibilizado pelas autarquias é reconhecido pela indústria taurina como fator importante na manutenção da atividade: “a falta de apoios camarários em muitas praças de 2ª e de 3ª, fizeram diminuir drasticamente esses números”13, referiu António Lúcio num artigo de opinião relacionado com a drástica diminuição do número de touros lidadas em Portugal.
Os exemplos são muitos, e há casos, em que as autarquias atribuíram subsídios como forma de estímulo ao trabalho desenvolvido, como aconteceu em 10 de julho de 2014 em Alcochete, quando a autarquia local aprovou em reunião de Câmara a atribuição de um subsídio de 32.400 € ao Aposento do Barrete Verde pelo “excelente trabalho” na condução das Festas do Barrete Verde e das Salinas (Acta nº 16 de 10/07/2014).
Municípios que mais gastam no apoio à tauromaquia:
- Santarém
- Azambuja
- Vila Franca de Xira
- Moita
- Montijo
- Angra do Heroísmo
- Estremoz
- Elvas
As autarquias locais assumem uma parte importante dos apoios disponibilizados para a promoção da tauromaquia porque garantem a presença de público nas praças e a continuidade desta tradição. Os apoios das Câmaras Municipais totalizam cerca de 1.800.000 euros anuais, sem contar com o diverso apoio logístico que é disponibilizado para a realização de touradas e largadas.
Outra forma de favorecimento da atividade é a redução de taxas e licenças. Por exemplo, em Rio Maior, a Câmara Municipal favorece a violência das touradas em relação à prática desportiva e às romarias tradicionais. Consultando a tabela de taxas a pagar para o pedido de licença de realização de espetáculos desportivos e divertimentos públicos, verificamos que as touradas pagam 3 vezes menos que uma prova desportiva:
Tipo de espetáculo | Taxas por dia |
---|---|
Provas desportivas | 18,00 € |
Arraias, romarias e bailes | 14,16 € |
Touradas e garraidas | 6,00 € |
A compra de bilhetes para touradas (que as autarquias oferecem à população) assumem particular relevância porque garantem a presença de público nas praças de touros e a continuidade desta tradição.
Santarém – É um dos municípios que mais investe na compra de bilhetes para touradas. Habitualmente a Câmara Municipal gasta 10.000 € em cada tourada, oferecendo os bilhetes à população como forma de garantir a presença de público naquela que é a maior praça de touros do país, mas que se encontra fechada praticamente todo o ano. A praça de touros é propriedade da Santa Casa da Misericórdia e é explorada por uma associação privada (Associação Praça Maior). Em 2019 a Praça Maior recebeu 25.000 € da autarquia para a aquisição de bilhetes para 3 touradas (ver aqui). Em 2022 a associação passou a designar-se “Setor 9” e já recebeu 10.000 € para a compra de bilhetes para uma tourada realizada a 19 de março (ver aqui) o que representa um aumento do apoio da autarquia.
Vila Franca de Xira – A Câmara Municipal gasta cerca de 60.000€ anuais, apenas para o financiamento da escola de toureio “José Falcão”. O valor encontra-se descrito no Orçamento Municipal e Grandes Opções do Plano para 2019 da autarquia Ribatejana, totalizando 300.000€ até ao ano de 2023. Além desta verba, a Câmara de Vila Franca de Xira apoia a realização de largadas e corridas de touros, além de outras instituições relacionadas com a tauromaquia. Em 2018 o Presidente da Câmara assumiu numa entrevista que “em termos globais, existe um investimento anual de cerca de 270.000,00 € que se destina à realização de diversos eventos, como é o caso da Feira das Tertúlias, da Semana da Cultura Tauromáquica, do Colete Encarnado e da Feira de Outubro, e ainda de apoio ao funcionamento da Escola de Toureio José Falcão“*.
* Entrevista a Toureio.pt: https://toureio.pt/a-tauromaquia-e-muito-mais-do-que-apenas-uma-parte-da-nossa-historia-e-um-aspecto-profundamente-enraizado-na-nossa-cultura-diz-autarca-de-vila-franca-de-xira
Montijo – Em maio de 2022, a Câmara Municipal do Montijo adquiriu 4.000€ em bilhetes à empresa tauromáquica “Tertúlia Obvia, Lda.” com sede no Redondo (Évora). O contrato foi celebrado no dia anterior à realização da tourada, e segundo o contrato de ajuste direto, teve por objeto a “aquisição de bilhetes para a corrida de touros de 14 de maio de 2022“. Apesar do investimento, a afluência de público foi bastante fraca, o que revela o crescente desinteresse pelas touradas, mesmo em municípios com maior tradição. Recorde-se que em 2021, ano de fortes restrições em termos de promoção de touradas e espetáculos culturais, a Câmara do Montijo gastou 16.260 € em bilhetes para 2 touradas realizadas na cidade à empresa tauromáquica “AC EVENTOS, UNIPESSOAL, LDA”.
Estremoz – A praça de touros de Estremoz é um espaço privado (do Centro de Bem-Estar Social de Estremoz) que esteve encerrado e abandonado durante anos. Em 2012 o município decidiu estabelecer uma parceria com a instituição privada, através da cedência da praça por 25 anos. A autarquia investiu cerca de 2 milhões de euros na reabilitação do equipamento para a realização de touradas, recorrendo a fundos da União Europeia. Um ano após a inauguração a Câmara gastou mais 76.000 euros em “trabalhos imprevistos”. Em 2022 a Câmara de Estremoz gastou mais 21.972 € para pintar as paredes interiores da praça de touros para a realização de 1 tourada. Além destes investimentos, desconhece-se o apoio que a Câmara concede aos empresários tauromáquicos sempre que se realiza uma tourada naquele recinto que recebe, em média, apenas 2 touradas por ano.
Angra do Heroísmo – A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (Açores) também se destaca no grupo de municípios que financiam a tauromaquia. Em 2017, por exemplo, gastou 100.000€ na promoção de 4 touradas na Ilha Terceira. Além disso, a Câmara concede vários apoios regulares a grupos de forcados e criadores de touros na ilha, e promove vários eventos tauromáquicos, entre os quais, eventos ilegais destinados às crianças, como é o caso da “Espera de Gado Infantil” nas festas Sanjoaninas. No meio tauromáquico fala-se ainda numa inflação dos valores cobrados pelos toureiros quando se deslocam aos Açores. O cachet dos artistas é suportado pela Câmara Municipal.
Abiul – Pequena freguesia de Pombal, com cerca de 2.700 habitantes. Se toda a população fosse à praça de touros assistir a uma tourada, a praça estaria meia, porque o recinto tem capacidade para 4.500 pessoas. A Junta de Freguesia investe bastante dinheiro na manutenção do espaço que recebe apenas 2 ou 3 touradas por ano. Em 2011 a Junta gastou 155.000€ em obras de reabilitação da praça (quase 60€ por habitante). Em 2015 foram gastos mais 9.000€ em obras e no ano seguinte (2016) a Junta gastou 1.500€ num estudo sobre as condições de segurança da praça de touros e respetivo projeto de recuperação.
Azambuja – A Câmara Municipal gastou 600.000€ na construção de uma nova praça de touros em 2011, investimento que se revelou ruinoso. O dinheiro foi proveniente do reembolso de fundos comunitários de investimentos feitos pela EMIA (Empresa Municipal). A praça é fruto de uma opção política do presidente da Câmara da altura, que foi muito contestada pela oposição e população tendo em conta que a remodelação das piscinas municipais foi colocada de lado para se construir a praça de touros, que apenas recebe 1 corrida por ano e que nunca enche de público, apesar de só ter 2.000 lugares. A gestão da praça foi entregue a uma associação (A Poisada do Campino) que recebe subsídios da Câmara e subaluga a praça a empresários tauromáquicos, num negócio pouco claro e que tem motivado críticas pela falta de transparência. Em 2016 o empresário tauromáquico que promovia touradas naquele espaço, queixava-se – curiosamente – da tradição da autarquia comprar e oferecer os bilhetes, numa entrevista a um jornal local: “O grande problema é que durante muitos anos a Câmara ofereceu bilhetes às pessoas e essa cultura de se ir ver touradas a custo zero ainda se encontra instalada”17.

O apoio das autarquias, na maioria das vezes, não se reflete num retorno económico para o município. Por exemplo, em 12 de setembro de 2018, a Câmara Municipal do Redondo deliberou em reunião de Câmara exigir a restituição do subsídio atribuído à Associação Tauromáquica Redondense, organizadora das corridas no Coliseu do Redondo, no valor de 10 mil euros para a organização de uma corrida de gala “à antiga portuguesa” realizada naquela praça de toiros no dia 3 de Agosto. A autarquia alegou que “Havia uma expectativa bastante elevada e o que foi apresentado não correspondeu em nada ao que foi proposto“, conforme se pode ler na acta dessa reunião. António Recto, presidente da Câmara, afirma ter-se “sentido enganado” e exigiu o dinheiro de volta, “porque o executivo é responsável e tratam-se de dinheiros públicos“. A decisão de pedir a restituição de parte da verba foi corroborada por todos os elementos da Câmara, mas não há notícias que tenha efetivamente acontecido.
Os apoios da União Europeia e do Estado
A principal fonte de financiamento das touradas surgiu com a entrada de Portugal na União Europeia, quando os criadores de bovinos destinados às touradas passaram a receber diversos apoios da Política Agrícola Comum (PAC), criando a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide (APCTL), apesar do principal objetivo da PAC ser “apoiar os agricultores e melhorar a produtividade do setor agrícola, garantindo um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis” e não, a criação de animais para entretenimento e maus tratos.
Neste sentido, e tendo em conta que em Espanha, os criadores de touros de lide recebem anualmente cerca de 200.000.000 € de fundos da PAC14, estima-se que em Portugal (tendo em conta o número de ganadarias e de efetivos existentes no nosso país) esse valor seja de cerca de 15 milhões de euros.
Atualmente em Portugal, existem 2 agrupamentos de produtores de touros de lide que recebem as ajudas da PAC, de acordo com informação disponibilizada pelo Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas:
- BOVIBRAVO, Agrupamento de Produtores de Bovinos de Raça Brava de Lide (Samora Correia) – Entidade associada à APCTL
- APBRB-Agrupamento de Produtores de Bovino da Raça Brava Lda. (Portalegre) – Responsável pela certificação DOP da carne de raça brava.
No caso da criação de bovinos de lide, os apoios/financiamentos que são levados a efeito, relacionam-se com a criação de bovinos na sua generalidade, sem especificação da raça, ou seja, a UE não distingue os bovinos que são destinados à produção de alimentos (leite ou carne) e aqueles que têm como finalidade a obtenção de comportamento para as touradas, o que permite aos Ganadeiros beneficiar destes apoios. Significa que em Portugal, uma grande fatia dos apoios comunitários que deviam ser destinados pelo Ministério da Agricultura para a produção de bens alimentares, são aplicados no apoio à obtenção de comportamento para um evento de mero entretenimento – a tourada.
Um dos benefícios da PAC concedidos aos criadores de bovinos é o prémio de “vacas aleitantes” que em 2012 era de 200€ + 30,19€ (prémio suplementar). Tendo em conta que em Portugal existiam nesse ano cerca de 9.000 vacas bravas, os criadores de touros de lide receberam qualquer coisa como 1.800.000€ só deste apoio.
Por outro lado, e no âmbito da PAC, os criadores recebem os prémios de abate, que em 2012 era de 32€ (bovinos com mais de 8 meses). Tendo em conta que nos anos de 2010 e 2011 foram abatidos cerca de 1.600 touros de lide em Portugal, o valor ronda os 50.000€ por ano.
Além das ajudas para a criação de touros, a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) financia a realização de provas para apurar quais os melhores animais para a realização de touradas, além de programas de conservação e melhoramento genético dos touros de lide e de cavalos de toureio.
No documento afeto ao PDR 2020-2027 (“Normas para Aplicação e Validação dos Programas de Conservação Genética Animal e Programas de melhoramento Genético Animal”), é possível verificar que está prevista uma medida específica para cavalos de toureio e para a raça bovina Brava de Lide, com financiamento para a realização de “provas morfofuncionais” que consistem na realização de “tentas“, que são práticas proibidas em Portugal pela sua especial crueldade, e que incluem a participação de “picadores” que realizam a chamada “sorte de varas“. Essa prática, apesar de ilegal, é financiada com fundos comunitários.

Já no período 2007-2013, os produtores de bovinos de raça brava tinham sido abrangidos pela “Estratégia para a Conservação e Melhoramento das Raças Autóctones” com financiamentos diretos aos agricultores e às Associações de Criadores, no caso, a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide.
O Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER) é outra fonte de financiamento da atividade. Por exemplo, em 2014, a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide beneficiou de um financiamento de 135.625€ do (PRODER), além de 108.500€ do FEADER e 27.125€ do Orçamento de Estado, de acordo com as tabelas do IFAP.
Além disso, e apesar da raça brava não ser criada para a obtenção de carne, em 2007 os ganadeiros de touros de lide conseguiram, através da publicação do Aviso nº 4882/2007, certificar a carne de bovinos de raça brava como “Denominação de Origem Protegida – DOP”, através da designação “Carne de Bravo do Ribatejo DOP” (processo aprovado em 2007 em Portugal e reconhecido pela UE em 2013) beneficiando de ainda mais apoios financeiros para a sua criação, apoios esses de mais 4€ por cabeça de gado (segundo os dados de 2012) aos quais se acrescenta a criação em modo biológico.
Nos últimos anos, além dos fundos da PAC, a tauromaquia tem conseguido aceder aos fundos da União Europeia para o desenvolvimento regional, beneficiando de apoios para a realização de palestras e debates (como sucedeu nas 1ªas Jornadas de Tauromaquia em Idanha-a-Nova) e para a reabilitação e construção de novas praças de touros com fundos comunitários.
Também o Estado contribui para o financiamento da atividade, através do Orçamento de Estado. No Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, é possível ver uma verba de 34.878,80€ do OE para a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide (APCTL). Esta associação beneficiou de 158.540,00€ do PDR 2020.
Em 2021, no contexto da pandemia de COVID-19, o Governo (através do Ministério da Cultura) concedeu mais de 200 mil euros para a realização de touradas em Portugal.
Só nos primeiros meses de 2021 foram atribuídos 234.144,5 € de fundos comunitários a 5 empresas tauromáquicas, ao abrigo do programa “Garantir Cultura” que visava o apoio do Governo à atividade cultural fortemente afetada pela pandemia de Covid-19.
16,99 milhões de euros por ano
No total, somando os diferentes apoios disponibilizados, a estimativa aponta para uma despesa pública anual de cerca de 17 milhões de euros com a tauromaquia em Portugal, verbas provenientes das autarquias locais e da União Europeia, que contribui com o pagamento de ajudas, prémios, subsídios e financiamentos comunitários que abrangem a criação de bovinos de lide (destinados às touradas) e a construção ou reabilitação de Praças de touros.
Neste quadro são apresentados os valores totais estimados dos fundos públicos destinados à tauromaquia anualmente:
Origem | Destino | Valor |
---|---|---|
União Europeia | Prémio vacas aleitantes (PAC) Prémio Raças Autóctones (PAC) Prémio de abate (PAC) Produção machos bovinos (PAC) Conservação e melhoramento genético de touros e cavalos de toureio Comercialização via “Origem Protegida” Reabilitação e construção de Praças de touros | 15.000.000,00€ |
Autarquias | Organização de touradas Compra de bilhetes para touradas Organização/Apoio de feiras taurinas/festejos populares Reabilitação e construção de praças de touros Manutenção de praças de touros Financiamento de “escolas de toureio” Transportes e subsídios: tertúlias, clubes taurinos e forcados Prémios, homenagens (estátuas, troféus, etc.) Publicidade (nas praças de touros e nos cartazes) Redução do valor de taxas e licenças | 1.800.000,00€ |
Estado (OE) | Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide | 35.000,00 € |
Estado (PDR 2020) | Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide | 160.000,00€ |
Estado (RTP) | Transmissão de touradas em direto | — 1 |
Estado (IGAC) | Remuneração dos Delegados Técnicos Tauromáquicos | — 2 |
TOTAL | 16.995.000,00 € |
1. Transmissão interrompida em 2021.
2. Valor total desconhecido.
A estes valores junta-se ainda os apoios disponibilizados pelo Ministério da Cultura durante a pandemia de COVID-19, que totalizaram mais de 200.000€ de ajudas a empresas tauromáquicas para a realização de touradas, a despesa pública com a transmissão em direto de touradas (interrompida pela RTP em 2020) e as despesas com a remuneração dos Delegados Técnicos Tauromáquicos nomeados pela Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), cujo valor total não foi possível apurar.

Apesar de alguns representantes do setor continuarem a negar a existência de apoios públicos, os factos são facilmente comprováveis, e não deixa de ser curioso que o lobby tauromáquico invista tanto dinheiro em campanhas de sensibilização em Bruxelas de forma a garantir a continuidade destes financiamentos.
Tratando-se de uma atividade que não respeita as regras de bem estar animal comunitárias, que promove a violência e que é nefasta para as crianças e jovens (conforme já foi reconhecido pelo Comité dos Direitos da Criança), é questionável o investimento de fundos públicos nesta atividade, principalmente de verbas que se deviam destinar ao desenvolvimento da agricultura. Curiosamente, em Portugal, as touradas estão afetas a dois Ministérios: o da Cultura (pelo estatuto cultural alcançado em 1991) e da Agricultura (que garante o financiamento da atividade de criação de touros de lide).
Exemplos comos os de Viana do Castelo e Póvoa de Varzim, entre outros, onde as autarquias decidiram deixar de apoiar a realização de touradas, demonstram que os municípios têm muito a ganhar com a reconversão das praças de touros em espaços desportivos e culturais. Nestes dois exemplos, não só não houve nenhum impacto económico nem social com o fim das touradas, como foi possível recuperar dois equipamentos que estavam praticamente abandonados, tal como estão a grande maioria das praças de touros do país. Além disso, a reconversão destes dois recintos, vai possibilitar a criação de dezenas de novos postos de trabalho e o seu usufruto por toda a população durante o ano inteiro.
Vários partidos têm apresentado na Assembleia da República iniciativas exigindo o fim do financiamento público da tauromaquia, mas sem sucesso. Em 2020 Câmara de Lisboa instou “o Governo e a Assembleia da República a adotar legislação que não permita o financiamento público de eventos que causem sofrimento animal”, onde se incluem as touradas. A moção foi aprovado com os votos favoráveis de BE, PS e PSD e os votos contra do PCP e do CDS-PP.
“A Lide não se sustenta sem ajudas públicas”
Javier Salas, Jornal Público (Espanha), 2 de agosto de 2010
“As ajudas públicas mantêm vivo o negócio dos touros”
Toni Martínez, Jornal MásPúblico (Espanha), 3 de agosto de 2012

Fontes:
- Estadística de Asuntos Taurinos 2007 – 2011 – Sintesis de Resultados – Subdirección General de Estadística y Estudios Ministerio de Educación, Cultura y Deporte Noviembre 2012.
- Inquérito “Hábitos y Prácticas Culturales en España (2010-2011)”, Ministério da Cultura de Espanha.
- Sindicato Nacional dos Toureiros Portugueses. “Síntese do valor económico e social da raça bovina brava”. Lisboa : Sind. Nac. dos Toureiros Portugueses, [D.L. 1975].
- IGAC – Relatório da Atividade Tauromáquica 2011, Dezembro de 2011.
- INE – Estatísticas da Cultura.
- Centro Cultural Regional de Santarém. “Touros, toureiros e touradas : conferências 1998/1999”. Santarém: C.C.R., 2001.
- Vila Franca de Xira. Câmara Municipal. “Tertúlias e outros lugares da tauromaquia”. Vila Franca de Xira : Câmara Municipal, 1999.
- Diário Popular. 24 de dezembro de 1966 – (1966), “Touradas à Portuguesa”, Fundação Mário Soares / DBE – Documentos João Bénard da Costa.
- Almeida, Jaime Duarte de. “História da Tauromaquia”. Lisboa: Artis, 1951.
- Decreto Regulamentar n.º 62/91, de 29 de Novembro.
- Decreto-Lei n.º 89/2014 de 11 de junho.
- Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Orçamento Municipal e Grandes Opções do Plano para 2019
- “Ganadarias portuguesas lidam e exportam menos toiros”, Barreira de Sombra 10 de Janeiro de 2012
- https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2022-04-01-touradas-podem-estar-a-beneficiar-com-milhoes-de-euros-de-fundos-da-uniao-europeia
- IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas.
- Tribunal de Contas (Auditoria), Processo nº2/2012 – Audit. 1ª S.
- Sílvia Agostinho. “O negócio das praças de touros”, Jornal Valor Local. 25 de julho de 2016.