Refere a Federação Prótoiro na sua página web que “as touradas salvaram o touro da extinção e preservam-no“. Esta afirmação é absolutamente falsa. O touro nunca esteve (nem está) em risco de extinção.
O touro de raça brava ou de lide, é uma das centenas de raças de bovinos domesticados existentes no mundo, criados e selecionados pela mão humana.
No caso português, a raça Brava de Lide é uma das 15 raças de bovinos que constam no Catálogo Oficial de Raças Autóctones Portuguesas elaborado pela DGAV – Direção Geral da Alimentação e Veterinária, a par de raças como a Alentejana, Arouquesa, Barrosã, Mirandesa, entre outras.
Ao contrário do que diz a Prótoiro, o “toiro bravo” não é “uma variedade única de toiro selvagem preservada na Europa desde o século XVIII graças aos esforço dos ganadeiros“. Esta afirmação não faz qualquer sentido do ponto de vista científico, e resulta de um argumento gasto, criado para tentar enganar a opinião pública.
Não existem touros selvagens. Todas as raças de bovinos que existem na atualidade são domesticadas, criadas e selecionadas pelos humanos.
O touro selvagem existiu, mas foi extinto devido à caça excessiva. Em 1627 o último touro selvagem foi abatido numa floresta na Polónia1. O touro selvagem, ou Auroque2 (também conhecido por Uro), já não existe no planeta Terra e todas as atuais raças bovinas (incluindo a raça Brava ou de Lide) são descendentes do extinto Auroque.
Cada raça domesticada de bovinos é criada e selecionada de acordo com o fim a que se destina. No caso da raça Brava, os animais são selecionados em função do seu comportamento na lide. Outras raças são selecionadas para produzir carne ou leite, pelo que todas as raças apresentam uma morfologia distinta.
Além disso, os machos de raça Brava não são castrados, de forma a garantir a “bravura” necessária para as lutas na arena, que não é desejável, por exemplo, nos animais criados para a obtenção de carne.
Muitas pessoas são incapazes de distinguir um bovino de raça Brava de outras raças semelhantes, como a raça Preta (ver imagem em baixo). Ambas as raças são domesticadas e criadas em Portugal na mesma região, mas apesar das semelhanças, têm destinos diferentes. A raça Preta destina-se exclusivamente à produção agrícola enquanto a raça Brava destina-se ao entretenimento (touradas e largadas).
1. Ver “Pode o auroque voltar a Portugal?”, artigo de Daniel Veríssimo: https://www.wilder.pt/naturalistas/pode-o-auroque-voltar-a-portugal
2. https://www.iucnredlist.org/species/136721/4332142
Sem touradas o touro bravo extingue-se?
O argumento de que, sem a existência de touradas, o touro bravo extingue-se, é igualmente falso.
Se seguíssemos este princípio, podíamos dizer que, sem o circo, os leões extinguiam-se, porque deixavam de ser úteis. Da mesma forma, extinguiam-se os elefantes, os tigres e outros animais usados para diversão humana e que também já foram utilizados em lutas em espetáculos públicos nos séculos XIX e XX.
Esse argumento parte do princípio que os animais, para existir, têm que servir a espécie humana de alguma forma. Ignora o papel que as diferentes espécies desempenham nos ecossistemas da Terra e no equilíbrio natural do planeta.
É um argumento que está atrasado cerca de dois séculos, quando não existia ainda a consciência científica sobre a importância da biodiversidade e a interligação entre os diferentes ecossistemas.
O exemplo dos Açores
Tomemos como exemplo a caça à baleia nos Açores. Durante muitos anos, a caça à baleia movimentou uma importante economia nos Açores, criando centenas de postos de trabalho e uma forte dependência económica e social no arquipélago.
A proibição da caça à baleia gerou os mesmos argumentos usados pelo setor das touradas: muitas famílias dependem desta atividade e, sem ela, vamos criar um drama social. Seria previsível que, seguindo este princípio da utilidade dos animais para os humanos, que o fim da caça à baleia levasse à extinção das baleias nos Açores? Óbvio que não.
Aliás, a proibição desta prática tradicional, permitiu reconverter a atividade e criar um importante atrativo turístico na região, gerando inúmeros postos de trabalho. Hoje em dia, alguns antigos baleeiros trabalham no setor do turismo, fazendo vigilância às baleias e informando os operadores turísticos da sua localização.
Milhares de pessoas visitam os Açores para observar as baleias no Atlântico.
Este exemplo é demonstrativo de uma tradição reconvertida numa atividade saudável e adaptada ao valores atuais da sociedade.
Cabe aos atuais criadores de touros de raça Brava seguir este exemplo. Reconverter a sua atividade, promovendo o turismo de natureza e a observação destes imponentes animais no habitat do montado.
Aliar a biodiversidade, a paisagem natural e a criação do touro bravo, é um caminho sustentável e lógico no futuro, com potencial para atrair turistas nacionais e internacionais, sem crueldade e sem envolver a violência da lide dos animais na arena.