Touradas no Porto: história de uma evolução

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Porto chegou a ter 9 praças de touros (mais do que Lisboa).

Implantação da República marcou o fim da afición no Porto.

Portuense apresentaram uma petição em 1874 a pedir a abolição das touradas.

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Sérgio Caetano

À semelhança de qualquer outra localidade da lezíria do Tejo, a cidade do Porto foi igualmente palco de inúmeros festejos tauromáquicos durante a idade média, que decorreram com grande fervor nas ruas e praças da invicta até ao século XIX, mas que acabaram por desaparecer com o fim da monarquia pelo desinteresse e repúdio da população portuense em relação ao maltrato injustificado e cruel dos animais.

O repúdio dos portuenses pelas touradas levou à falência das empresas tauromáquicas, e no século XIX a atos mais exacerbados que culminaram com a demolição e, em alguns casos, a queima das praças de touros da cidade (casos das praças da Aguardente e da Areosa).

Real Coliseu Portuense
Real Coliseu Portuense (Rotunda da Boavista)

As touradas começaram a perder fulgor no Porto a partir de 1830, altura em que muito se contestava o espetáculo pelo uso e abuso dos animais. Várias tentativas foram feitas nas décadas seguintes para trazer de volta os touros à cidade mas sempre sem sucesso.

Na década de 70 do século XIX assistiu-se a uma súbita edificação de praças de touros por todo o país e uma tentativa de impor à cidade do Porto a tradição das touradas com a construção de 3 praças de touros (em Cadouços, Rua da Boavista e no Largo da Aguardente). Mas a tentativa resultou num grande insucesso devido ao desinteresse da população.

Ramalho Ortigão satirizou o episódio como uma fugaz cópia dos hábitos da capital, considerando-o desgarrado e sem qualquer tradição: Ao cabo de dois anos ninguém mais voltou aos touros“.

“Assim, as touradas tendem a acabar no Porto, com o que nada se perde.” 

Também Pinho Leal deixou registado o seu conformismo com o fracasso da reintrodução das touradas e os gostos dos portuenses nada depõe contra o gosto e a humanidade dos portuenses. As 3 praças desapareceram em menos de cinco anos, com fracas receitas e a falência das empresas que as geriam.

A imprensa escrita da cidade fazia eco da antipatia e indignação popular em relação às touradas. O Jornal Comércio do Porto, a 26 de janeiro de 1870, escrevia nas suas páginas: “Vê-se que infelizmente se porfia no intento de introduzir nesta cidade um divertimento contrário à indole e hábitos dos seus habitantes, porém ainda que o não fosse, nem por isso ele deixaria de ser menos condenável e digno de reprovação.

A oposição da população do Porto às touradas ficou registada nos Diários do Governo em 14 de fevereiro de 1874, quando o Deputado Adriano Machado apresentou à Câmara dos Deputados uma representação (petição) contra as touradas, assinada por 2.000 habitantes habitantes da cidade do Porto para ser apreciada.

Praça de touros da Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia
Praça de touros da Serra do Pilar (V. N. de Gaia) no início do século XX.

No final do século XIX foi realizada a última grande ofensiva para tentar ressuscitar a afición dos portuenses com a construção de 2 novas praças de touros na cidade – Rotunda da Boavista e Praça da Alegria – a que se juntaram as praças erguidas na Serra do Pilar (Vila Nova de Gaia), Matosinhos e Granja.

O Real Coliseu Portuense (na atual Rotunda da Boavista) foi a mais imponente e maior praça de touros da cidade do Porto. Acolhia cerca de 8.000 espectadores e possuía 2 restaurantes, camarotes, bancadas, salão de bilhares, cafés e quiosques de venda de jornais, além de dispor de iluminação elétrica. O exuberante redondel foi construído por dois empresários que fizeram fortuna no Brasil, mas 6 anos depois estava ao abandono.

Passado o período da curiosidade despertado pela imponência e o exotismo do edifício, o povo do Porto não se rendeu à tentativa de imposição de uma tradição, já na altura considerada anacrónica e sem raízes na região. Os touros e os toureiros eram “importados” do Ribatejo e Estremadura. Poucos anos depois da inauguração, os empresários do Real Coliseu Portuense viram-se obrigados a acolher outro tipo de espetáculos como demonstrações de natação e equilibrismo e a praça acabou por ser abandonada e demolida em 1895.

As praças de touros da Serra do Pilar e da Rua da Alegria não tiveram melhor sorte e acabaram por fechar portas. A imprensa dava conta desta realidade, antecipando o evidente desfecho, como se percebe neste artigo do Jornal Comércio do Porto de 21 de setembro de 1897: “De há muito os portuenses têm demonstrado a sua pouca afeição às diversões tauromáquicas. (…) Assim, as touradas tendem a acabar no Porto, com o que nada se perde.

Já no século XX, ainda antes da implantação da República, surgiram duas novas praças de touros no Porto – Areosa e Bessa – mas a sua história foi igualmente breve e não existem registos de atividade significativa nestes “redondéis”.

Ainda se tentou erguer uma praça de touros na zona das Antas (na atual Praça Velasquez) mas o projeto não saiu do papel, ficando apenas o desenho circular do jardim, que ainda hoje pode ser visto no local.

Jornal “O Primeiro de Janeiro” – 9 de junho de 1993

A última ofensiva da indústria tauromáquica no Porto ocorreu no início da década de 90 do século XX, com a realização de uma tourada no campo do Lima 5 numa praça desmontável e, mais uma vez, a afición não deixou raízes na cidade.

Um dos principais diários portuenses da época, “O Primeiro de Janeiro” escreveu no dia seguinte na manchete do jornal: “A arrogância dos organizadores da tourada que ontem se realizou no Porto esteve na origem dos distúrbios entre populares e defensores dos animais, por um lado, e os promotores da iniciativa. A PSP teve de intervir. Uma pessoa saiu ferida da refrega, que até teve a presença provocante, inoportuna e parola do cavaleiro Joaquim Bastinhas.

Tourada no Porto

Tal como referiu Alberto Pimentel em 1894 “A tauromaquia portuense deu em vasa barris”.

Ao Porto juntam-se as cidades de Matosinhos, Espinho, Aveiro, Viana do Castelo, Póvoa de Varzim, Guimarães, Barcelos e muitas outras, onde já se realizaram touradas, mas que hoje em dia não aceitam esta bárbara e anacrónica tradição.

Bibliografia:

1. Real, Manuel Luís, et al. “No tempo das touradas: de esplêndida corrida a tradição repudiada”. Porto: Câmara Municipal do Porto, 2002.
2. Leal, Pinho, “Portugal antigo e moderno”, Mattos Moreira & Cª, 1890.
3. Pimentel, Alberto, “O Porto na berlinda”. Porto: Ernesto Chardron, 1894