União das Misericórdias assinou protocolo para promover a violência das touradas

União das Misericórdias

A União das Misericórdias Portuguesas (UMP) assinou no passado dia 2 de junho de 2018 em Estremoz, um protocolo com a Federação Portuguesa das Associações Taurinas – Prótoiro. O protocolo foi assinado pelo Presidente do Secretariado Nacional da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel Lemos, que exerce o cargo desde 2007.

O objetivo é “dinamizar as cerca de três dezenas e meia de praças de touros que se encontram nas mãos das Misericórdias“, no entanto desconhecem-se mais pormenores sobre o protocolo ou sobre a forma como ele será dinamizado.

Ao mesmo tempo a União das Misericórdias passou a ser integrante da Federação Prótoiro, a par das associações de empresários tauromáquicos, criadores de toiros de lide, associação de forcados e de toureiros.

Segundo uma nota de imprensa da UMP “Esta é uma etapa que há muito se justificava, até porque as Misericórdias são proprietárias da maioria das praças de touros em Portugal”.

Estranhamente, a celebração deste protocolo não consta no “Relatório e Contas de 2018” da UMP, onde são elencados os diversos protocolos comerciais e institucionais celebrados pela instituição nesse ano. O relatório apenas faz referência aos protocolos celebrados com a Universidade de Aveiro, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), Fundação Francisco Manuel dos Santos, Universidade de São Tomé e Príncipe, Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, ADSE – Instituto de Proteção e Assistência na Doença e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

Durante a celebração do protocolo, Manuel Lemos referiu à imprensa que “Sei que este é um problema delicado, mas temos uma história e não podemos fazer de conta que ela não existe. Esta manifestação cultural faz sentido nalgumas regiões do país1.

De facto, existe uma ligação histórica das Misericórdias à tauromaquia que foi estabelecida no século XIX quando após a abolição das touradas em 1836, foi decidido que elas podiam ser realizadas com uma autorização especial e desde que a sua receita financeira revertesse inteiramente para a Casa Pia, (quando as touradas se realizavam em Lisboa) e para as Misericórdias (quando se realizavam no resto do país).

Esta foi a forma que se encontrou, após a revolução liberal, de tentar conceder alguma dignidade e “humanidade” a um espetáculo que já era considerado bárbaro e violento. Foi também uma maneira de impedir que as touradas se tornassem num negócio lucrativo. Talvez os liberais da altura, acreditassem que, com a aprovação desta medida, as touradas acabavam por desaparecer naturalmente.

No entanto, o que aconteceu é que as Misericórdias começaram a edificar praças de touros na região do Ribatejo e Alentejo e criaram uma dependência financeira em relação a esta atividade.

Com o Estado Novo, foi anulada a obrigação da receita financeira das touradas reverter para instituições de caridade, e em 1953, com a aprovação do primeiro Regulamento Tauromáquico, as touradas passaram a ser definitivamente um negócio devidamente legalizado.

Isso não impediu que as Misericórdias se afastassem da tauromaquia. Passados todos estes anos, grande parte das praças de touros continuam a ser propriedade das Misericórdias locais, e no caso de Lisboa, o Campo Pequeno continua a pertencer à Casa Pia, apesar destas instituições terem outras fontes de receita deixando de estar dependentes das receitas das touradas.

Claramente, a violência e a crueldade da tauromaquia é totalmente incompatível com os valores humanistas e de compaixão destas instituições, pelo que a ligação das Misericórdias às touradas é incompreensível na sociedade portuguesa e bastante contestada.

A celebração deste protocolo vai no sentido contrário da evolução da nossa sociedade e dos valores que as Misericórdias apregoam.

  1. https://www.publico.pt/2018/06/02/sociedade/noticia/misericordias-unemse-a-federacao-taurina-para-dinamizar-pracas-de-touros-1832961 ↩︎