Autarquias aumentam investimento público nas touradas

Estimativa da plataforma Basta de Touradas aponta para cerca de 19.500.000€ anuais gastos com a tauromaquia em Portugal.

Um empresário tauromáquico (Ricardo Levesinho) recebeu meio milhão de euros de duas autarquias nos últimos dois anos.

Câmaras Municipais estão a investir cada vez mais fundos públicos na compra de bilhetes para touradas e na reabilitação de praças de touros privadas.

A plataforma Basta de touradas denuncia um aumento considerável no uso de fundos públicos para apoiar a atividade tauromáquica em Portugal nos últimos dois anos.

Numa altura em que a população portuguesa atravessa tantas dificuldades com o aumento do custo de vida, é inaceitável o que está a acontecer com o investimento de largos milhares de euros de algumas autarquias na promoção das touradas, especialmente por parte de algumas Câmaras Municipais.Os exemplos (ver abaixo) multiplicam-se e levantam sérias dúvidas sobre a forma como os fundos públicos estão a ser canalizados para a tauromaquia, principalmente através do investimento de centenas de milhares de euros na compra de bilhetes para touradas de forma a garantir a presença de público nas bancadas das praças de touros e na reabilitação de praças de touros privadas com recurso a fundos públicos.

subsídios para as touradas
Quase 20 milhões de euros são gastos anualmente com a tauromaquia em Portugal.

Além dos fundos das autarquias, a tauromaquia continua a beneficiar de fundos da União Europeia e do Estado. Por exemplo, a Basta de Touradas apurou que os criadores de touros de lide estão a receber apoios comunitários destinados à proteção do ambiente, da paisagem, dos recursos naturais, e para a atenuação dos efeitos e adaptação às alterações climáticas. Esta situação é incompreensível e inaceitável tendo em conta que os produtores de bovinos de raça brava não contribuem para a produção agrícola nacional e violam claramente as regras de bem-estar animal da UE.

Em 2021 a Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide (APCTL) recebeu um subsídio de quase 100.000 euros do FEADER – Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Medida IV/A.15 [DR 2014-2020] R.1305/2013, art.º 28.º – Agroambiente e clima), segundo informação disponibilizada pelo IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.

A mesma associação também recebeu apoios do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, entre os anos de 2014 e 2020, inseridos em medidas de conservação e melhoramento de Recursos Genéticos Animais, no valor de centenas de milhares de euros anuais. Sabemos que em 2020 o valor foi de em 2020 o valor foi de 158.540€, pagos em parte pelo FEADER (123.661,20€) e os restantes 34.878,80€ através do Orçamento do Estado.

Estes são apenas alguns exemplos recentes de desvio de fundos públicos para sustentar uma atividade violenta e de grande crueldade contra os animais. Perante o evidente aumento do investimento das Câmaras Municipais na tauromaquia, a Basta de Touradas decidiu fazer uma atualização do Estudo sobre o financiamento público da tauromaquia, publicado em 2013.

A estimativa apurada aponta para uma despesa de 19.050.000€ anuais com a tauromaquia: 2.800.000€ provenientes das autarquias, 15.500.000€ da União Europeia e os restantes do Estado e Governo Regional dos Açores.

Sem a torneira dos fundos públicos, há muito que as touradas tinham desaparecido em Portugal e Espanha. A plataforma Basta de Touradas espera que o Governo não autorize a utilização de fundos públicos na reabilitação de praças de touros, a não ser que estes recintos passem a acolher atividades desportivas e culturais, sem violência e crueldade com animais.

Outros exemplos:

Montijo – No Montijo a empresa tauromáquica “Tertúlia Óbvia Lda.” vendeu 17.439,04€ (21.450€ com IVA) em bilhetes para touradas à Câmara Municipal, no espaço de apenas 1 ano. A autarquia celebrou 4 contratos de ajuste direto com esta empresa que promove corridas de touros na praça de touros do Montijo, oferecendo depois os bilhetes à população, sem que se conheçam os critérios para a distribuição dos ingressos. Estima-se que este ano, a Câmara assine mais dois contratos com esta empresa para o mesmo fim. (Ver aqui)

Ricardo Levesinho – O caso mais gritante é o da empresa RACG – Sociedade Comercial, Lda., do empresário tauromáquico Ricardo Levesinho, Presidente da Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos (APET) até abril de 2023. Este empresário recebeu mais de meio milhão de euros de 2 autarquias locais (Vila Franca de Xira e Moita) em cerca de 2 anos (de abril de 2021 a maio de 2023). Os 6 contratos celebrados entre a “RACG – Sociedade Comercial, Lda.” e estas duas autarquias, consistiram no aluguer de toiros e novilhos para largadas e a aquisição de bilhetes para touradas, totalizando 503.816€.

Santarém – Em Santarém, a Câmara Municipal ajuda a associação Sector 9 a preencher as bancadas da praça de touros com avultadas somas de fundos públicos. Só este ano, a autarquia já comprou 46.125 € em bilhetes para touradas, que depois distribui aos aficionados. O contrato foi celebrado a 14 de março de 2023. Feitas as contas, em apenas 4 anos, a Câmara de Santarém gastou mais de 130 mil euros em bilhetes para touradas. (Ver aqui)

Alcochete – Além dos orçamentos dos municípios, também estão a ser usados fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a compra de bilhetes para touradas, conforme foi denunciado pela Basta de Touradas em março deste ano. A Câmara Municipal de Alcochete assinou um contrato com a empresa tauromáquica “Toiros & Tauromaquia” para a “Aquisição do Serviço de Eventos Tauromáquicos, no âmbito do PRR-Componente 3-OIL Alcochete-Bairro do Passil-Eixo da Saúde“, que consistiu na compra de 600 bilhetes para 5 touradas a realizar na praça de touros local, promovidas por aquela empresa tauromáquica, com fundos do PRR que se destinavam à promoção da saúde. (Ver aqui)

EDIA – Alqueva – Por outro lado, a EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, S.A. (sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) decidiu investir 46.000 € + IVA na reabilitação da praça de touros da Aldeia da Luz no concelho de Mourão, um recinto que se encontra praticamente abandonado durante todo o ano e que nos últimos anos, segundo os dados da IGAC, acolhe em média 1 espetáculo tauromáquico por ano. Segundo o contrato assinado a 20 de outubro de 2022, a obra consiste na impermeabilização dos bancos e passadiços na praça de touros, numa localidade com apenas 295 habitantes (Censos 2021). (Ver aqui)

Açores – Nos Açores, a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo reservou 100.000€ no seu Orçamento e Grandes Opções do Plano do município para 2023, para promover 3 touradas durante as festas Sanjoaninas deste ano. (Ver aqui)

Vila Franca de Xira – Em Vila Franca de Xira, além de outros apoios, a Câmara Municipal financia com 60.000€ anuais a “escola de toureio” onde crianças de todas as idades aprendem a ser “matadores de touros”. (Recorde-se que as “escolas de toureio” em Portugal não estão sujeitas a qualquer regulamentação ou inspeção). (Ver aqui)

Alcácer do Sal – E em Alcácer do Sal, a Câmara Municipal anunciou recentemente que pretende investir cerca de 4 milhões de euros de fundos europeus na praça de touros que é propriedade da Santa Casa da Misericórdia. A Câmara já celebrou um acordo com a instituição para assumir a gestão do recinto nos próximos 40 anos, responsabilizando-se pela realização das obras e por garantir a continuação da atividade tauromáquica. Segundo os dados da IGAC, a praça de touros de Alcácer recebeu apenas uma tourada em 2021 e dois espetáculos tauromáquicos em 2022, permanecendo encerrada durante os restantes dias do ano. (Ver aqui)

Fontes: