Tribunal condena Misericórdia por acidente grave ocorrido numa Garraiada em Nisa

A Santa Casa da Misericórdia de Nisa e um criador de touros de lide foram condenados pelo Tribunal da Relação de Évora (TRE) ao pagamento à Seguradora Generali do valor de 10.658,44€ (acrescidos de juros de mora) pelo acidente grave ocorrido durante a organização de uma Garraiada no dia 18 de Agosto de 2017 na localidade de Nisa (Distrito de Portalegre).

Na altura, uma vaca brava fugiu quando estava a ser descarregada para a praça de touros de Nisa (propriedade da Santa Casa), correndo pela via pública.

O animal foi perseguido pelas ruas de Nisa por um piquete da GNR, populares e por alguns colaboradores da Santa Casa da Misericórdia local (que organizava a Garraiada) acabando por provocar um acidente de viação na Estrada Nacional 364 quando chocou contra um veículo ligeiro conduzido por um habitante local que regressava a casa do trabalho.

O homem sofreu ferimentos graves sendo transportado para o Hospital Dr. José Maria Grande (em Portalegre) onde ficou internado e foi sujeito a duas cirurgias no braço direito.

As notícias publicadas na imprensa, bem como o Acórdão do TRE , não fazem qualquer referência à situação do animal, desconhecendo-se se o mesmo ficou gravemente ferido ou se sobreviveu ao acidente.

Na altura as despesas resultantes deste acidente foram suportadas pela companhia de seguros da vítima (Generali) que decidiu avançar com um processo em Tribunal contra os promotores da Garraiada e o proprietário do animal.

Em primeira instância os réus foram absolvidos, mas a seguradora decidiu recorrer da decisão.

Volvidos mais de 6 anos, o Tribunal da Relação de Évora condenou a Santa Casa da Misericórdia de Nisa (promotora da Garraiada) e o ganadeiro, considerando no Acórdão datado de 23 de novembro de 2023 que o proprietário das cinco vacas, um novilho e um bezerro utilizados na Garraiada promovida na Praça de Touros de Nisa, não possuía seguro de responsabilidade civil relativo aos animais que transportava e, mais concretamente, ao animal envolvido no acidente.

O Tribunal decidiu condenar os dois réus ao “pagamento à A. GENERALI SEGUROS, S.A., da quantia de 10.658,44€, (dez mil, seiscentos e cinquenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento, sendo a responsabilidade de cada um dos réus, nas relações entre si, fixada em 50%”.

Este caso é revelador dos riscos associados à promoção de eventos tauromáquicos. Já em setembro de 2023, um touro fugiu de uma praça de touros desmontável em Portel, causando o pânico na localidade de Monte do Trigo. Felizmente, neste caso, o acidente não provocou vítimas.

Este caso ocorrido em Nisa volta a levantar a polémica relação entre as Misericórdias e a violência da tauromaquia.

Garraiada
Garraiada

IGAC autorizou a realização da Garraiada

Apesar da legislação não prever a realização de “Garraiadas”, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, a que a plataforma Basta de Touradas teve acesso, refere que a 8 de Agosto de 2017 foi solicitada à Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), autorização para a realização de uma Garraiada, sem atuação de artistas profissionais nem utilização de ferragens.

O Regulamento do Espetáculo Tauromáquico (Decreto-Lei n.º 89/2014, de 11 de junho), vulgarmente designado de RET, define o tipo de eventos que podem ser licenciados pela IGAC e classifica como espetáculos tauromáquicos “aqueles que consistem na lide de reses bravas, em recintos fixos ou ambulantes e a eles especialmente destinados. As modalidades autorizadas são as Corridas de toiros; Corridas mistas; Novilhadas; Novilhadas populares; Variedades taurinas e os Festivais tauromáquicos.

Neste sentido, as “Garraiadas” não se enquadram no tipo de espetáculos tauromáquicos autorizados pela legislação, apesar de consistir na “lide de reses bravas”, neste caso, num recinto fixo.

Apesar disso, no dia seguinte ao pedido de autorização (9 de Agosto de 2017) a IGAC emitiu um parecer favorável à realização deste evento, referindo que “a praça de touros já foi objeto de vistoria no corrente ano, reunindo condições para o seu funcionamento”. Presume-se que a IGAC, autorizou a realização da “Garraiada” ao abrigo do regime de funcionamento dos espetáculos de natureza artística (Decreto-Lei nº 23/2014, de 14 de Fevereiro), ignorando o facto de se tratar de um espetáculo de natureza tauromáquica com lide de animais de raça brava.

Esta questão levanta um problema recorrentemente denunciado pela Basta de Touradas, uma vez que, apesar dos espetáculos tauromáquicos serem autorizados em Portugal ao abrigo de uma exceção na lei de proteção animal (que remete o seu licenciamento para o RET), tem sido autorizada a realização de espetáculos tauromáquicos ao abrigo do regime de funcionamento de espetáculos de natureza artística, que no nº 2 do artigo 2º estabelece que “integram o conceito de espetáculos de natureza artística, nomeadamente, as representações ou atuações nas áreas do teatro, da música, da dança, do circo, da tauromaquia e de cruzamento artístico, e quaisquer outras récitas, declamações ou interpretações de natureza análoga, bem como a exibição pública de obras cinematográficas e audiovisuais, por qualquer meio ou forma”. No entanto, no nº 9 do artigo 5º, a legislação refere que “o controlo prévio de espetáculos tauromáquicos é regulado em diploma próprio”, ou seja, pelo RET.

Esta interpretação da IGAC permite que, além dos eventos tauromáquicos previstos no RET, os promotores podem optar por organizar outras modalidades tauromáquicas (Garraiadas, demonstrações de toureio, recortadores, etc.) sem obedecer às apertadas medidas de segurança, socorro, assistência médica e bem-estar animal previstas no RET, algo que a Basta de Touradas considera inaceitável.

Por se tratar de um tipo de espetáculos que, além da crueldade contra os animais, pela sua natureza, apresentam um risco muito elevado de acidentes, dentro e fora das praças de touros, a IGAC tem o dever de ser mais rigorosa no seu licenciamento, restringindo-se às modalidades que são previstas no RET.

Além disso, a Basta de Touradas tem registado e denunciado um número muito elevado de eventos tauromáquicos, que nem sequer foram autorizados pela IGAC, mas que ocorrem todos os anos em praças de touros do Alentejo e Ribatejo e em herdades privadas.

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